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ACADEMIC ARTICLE

Eduardo Barros Mariutti

No final da década de 1980 Paul Virilio publicou La Machine de Vision, um livro impactante no qual ele identificou tendências que não eram claramente visíveis na época. Hoje, mais de 30 anos depois da primeira edição, o livro continua atual. Nesta obra ele relata a operação dos primeiros dispositivos baseados na automação da percepção, isto é, máquinas capazes de perceber o significado dos acontecimentos ao seu redor. Trata-se de sistemas computadorizados capazes de comandar sensores1 que, por operarem com uma velocidade e profundidade muito superior à apreensão humana, são capazes de criar uma percepção sintética da realidade de caráter preditivo. Isto engendra um imaginário maquínico – ele também usa a expressão enigma – do qual estamos excluídos. A autonomização deste imaginário – máquinas que vigiam o seu entorno e se comunicam por imagens digitais com outras máquinas – erode a presumida centralidade da perspectiva humana herdada do renascimento.

O que essa máquina vê não é o atual, mas uma percepção probabilística das possibilidades futuras que podem emergir do atual, isto é, ela registra as virtualidades. Logo, o tempo das imagens digitais processadas pelas “máquinas de vigiar” não é o dos acontecimentos, mas o de um feixe de possibilidades que se projeta do atual e que, por conta da insuficiência da profundidade temporal da cognição humana, está além da nossa capacidade de apreensão imediata. Graças às novas tecnologias de comunicação, a informação se tornou (ou passou assim a ser percebida) a terceira dimensão da matéria (ao lado da massa e da energia), viabilizando a telepresença. A possibilidade de comunicação instantânea permite que uma mesma pessoa ocupe mais de um “espaço” ao mesmo tempo assim como, reversivamente, estes outros espaços “existem” ao mesmo tempo no campo da percepção de uma mesma pessoa. Isso gera uma desconexão entre os espaços sociais e a presença física das pessoas. A ideia de telepresença também possui outro sentido. Sensores e aparelhos de ressonância, scanners diversos etc. permitem a virtualização dos corpos, possibilitando a criação de modelos digitais em diversas dimensões, multiplicando deste modo as representações dos objetos e dos seres vivos. Logo, por conta da telepresença, a imagem em tempo real passa a dominar a coisa representada, fazendo com que o virtual domine o atual, perturbando deste modo a própria noção de “realidade”.

Esta metamorfose da percepção é o ponto de partida deste estudo que, deste prisma, visa também estabelecer algumas conexões entre o neoliberalismo, as políticas de modulação por algoritmos, os sistemas de vigilância preditiva e as demais implicações derivadas das tecnologias da informação contemporâneas. Por tratar-se de um texto exploratório, todas as junções e entrecruzamentos aqui propostos podem sofrer modificações significativas frente a novas leituras e objeções. Mas, mesmo tendo ciência do caráter precário das articulações aqui propostas, creio que o enquadramento geral tende a se sustentar.

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