Em entrevista ao programa Ponto de Vista, da TV Câmara de Campinas, o professor Antônio Márcio Buainain, do Instituto de Economia da Unicamp, analisa os efeitos da nova lei sancionada pelo governo brasileiro em resposta às tarifas impostas pelos Estados Unidos.

 

Por Davi Carvalho

 

A recente Lei da Reciprocidade Econômica reacendeu debates sobre soberania, comércio internacional e os limites do poder brasileiro frente às grandes potências. Sancionada após a decisão dos Estados Unidos de aumentar tarifas sobre produtos nacionais, a lei cria instrumentos para que o Brasil responda a medidas consideradas abusivas, mas também impõe restrições que evitam escaladas descontroladas.

Em entrevista à TV Câmara de Campinas, no programa Ponto de Vista, o professor Antônio Márcio Buainain, do Instituto de Economia da Unicamp, explicou que o princípio da reciprocidade não é novidade nas relações internacionais, mas ganhou forma inédita na esfera econômica com a lei 15.122.

Buainain lembrou que a reciprocidade permeia práticas antigas, como isenção de vistos ou acordos de extradição. “Se você me trata bem, eu te trato bem. Se você me concede isenções, eu te concedo isenções. Isso em muitos campos e facilita muito”, disse. O que muda, segundo ele, é a aplicação desse princípio a um caso específico: o confronto tarifário iniciado pelo governo Trump contra diversos países, incluindo o Brasil.

As tarifas, explicou o professor, romperam com um pacto de décadas em torno da liberalização comercial, mediado por organismos como a Organização Mundial do Comércio. “São medidas fortes e que causam prejuízos importantes para a economia brasileira”, afirmou. Entre os setores mais atingidos estão a siderurgia, o café e as carnes, além de cadeias produtivas localizadas em Minas Gerais e São Paulo.

Embora as exportações brasileiras para os Estados Unidos representem apenas 12% do total, cerca de 80% desse volume corresponde a produtos industriais — justamente o setor em crise. Isso torna o impacto maior do que aparenta nas estatísticas gerais.

 

Limites da retaliação

 

A nova lei, destacou Buainain, busca qualificar a resposta brasileira sem abrir espaço para ações arbitrárias. “O presidente Lula não tem o poder do presidente Trump de, num ato e com uma assinatura bonita, determinar uma tarifa. Ele tem regras a serem seguidas. Essas regras são muito importantes porque elas alertam os setores que poderão ser atingidos”, explicou.

O professor comparou a lógica da lei ao antigo princípio da lei de talião: a retaliação deve ser proporcional ao dano. Essa proporcionalidade, segundo ele, é fundamental para evitar que o Brasil se envolva em uma “guerra econômica” na qual teria mais a perder.

 

“Eu, pessoalmente, acho que nós temos muito pouco poder para retaliar de maneira efetiva. Porque, na maior parte dos casos, a retaliação vai implicar em um custo muito maior para a gente do que para, digamos, o país a quem nós vamos retaliar, no caso dos Estados Unidos”, disse Buainain.

 

Entre soberania e pragmatismo

 

A entrevista também abordou a noção de soberania, entendida como o direito de cada país estabelecer suas próprias regras. Buainain citou exemplos que vão do conflito com as big techs ao caso da China, onde gigantes como Google e Facebook só poderiam atuar caso aceitassem a legislação local. Para ele, a mensagem brasileira precisa ser clara: amizade não significa submissão.

“Olha, nós temos sido amigos há 120 e tantos anos. [...] Temos regras próprias que consideramos perfeitamente adequadas às regras internacionais. Então, vocês também têm que nos respeitar”, disse, ao comentar o recado que o Brasil deve enviar a Washington.

O professor alertou, contudo, que defender princípios tem custos. O país pode perder mercados e enfrentar pressões econômicas no curto prazo, mas deve preservar sua integridade institucional para não abrir brechas a interferências externas.

A lei atribui à Câmara de Comércio Exterior (Camex) a condução técnica das medidas. Ela deverá calcular os prejuízos sofridos por cada setor, definir possíveis respostas e avaliar os efeitos de retaliações também sobre a economia brasileira. Fertilizantes, por exemplo, são importados em larga escala dos Estados Unidos; taxá-los poderia atingir mais o agricultor nacional do que o exportador americano.

Além disso, foi criado um comitê interministerial com participação do setor privado. A ideia é mapear danos, negociar alternativas e minimizar custos. O vice-presidente Geraldo Alckmin tem liderado a articulação entre governo e empresários no Brasil e no exterior.

Para Buainain, o desafio é transformar a adversidade em estratégia: diversificar mercados, ampliar competitividade e reduzir a dependência do comércio com os EUA.

 

Proteção ou risco?

 

Na visão do professor, a Lei da Reciprocidade Econômica é antes de tudo um instrumento de dissuasão. Embora tenha nascido em resposta ao aumento de tarifas americanas, seu propósito maior é evitar novas agressões, sinalizando que o Brasil dispõe de mecanismos legais para reagir.

“Embora a lei tenha sido adotada em resposta à agressão americana, como princípio mais duradouro ela é uma lei que visa fundamentalmente evitar a agressão. [...] Tomara que seja exercida com cautela, com prudência, respondendo ao espírito da própria lei, que é o de proteger a economia brasileira”, concluiu Buainain.

 

Assista à entrevista completa

A íntegra da conversa com o professor Antônio Márcio Buainain pode ser vista no canal da TV Câmara de Campinas no YouTube: