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Autor: José Graziano da Silva

 O"novo rural", como o temos denominado, compõe-se basicamente de quatro grandes subconjuntos, a saber: a) uma agropecuária moderna, baseada em commodities e intimamente ligada às agroindústrias, que vem sendo chamada de o agribusiness brasileiro; b) um conjunto de atividades de subsistência que gira em torno da agricultura rudimentar e da criação de pequenos animais, que visa primordialmente manter relativa superpopulação no meio rural e um exército de trabalhadores rurais sem terra, sem emprego fixo, sem qualificação, os "sem-sem" como já os chamamos em outras oportunidades, que foram excluídos pelo mesmo processo de modernização que gerou o nosso agribusiness; c) um conjunto de atividades não-agrícolas, ligadas à moradia, ao lazer e a várias atividades industriais e de prestação de serviços; e d) um conjunto de "novas" atividades agropecuárias, localizadas em nichos específicos de mercados.

O termo "novas" foi colocado entre aspas porque muitas atividades, na verdade, são seculares no país, mas não tinham, até recentemente, importância como atividades econômicas. Eram atividades "de fundo de quintal", hobbies pessoais ou pequenos negócios agropecuários intensivos (piscicultura, horticultura, floricultura, fruticultura de mesa, criação de pequenos animais, etc.), que foram se transformando em importantes alternativas de emprego e renda no meio rural nos anos mais recentes. Essas atividades, antes pouco valorizadas e dispersas, passaram a integrar verdadeiras cadeias produtivas, envolvendo, na maioria dos casos, não apenas transformações agroindustriais, mas também serviços pessoais e produtivos relativamente complexos e sofisticados nos ramos de distribuição, comunicações e embalagens, em busca de nichos de mercado muito específicos.

Tal valorização também ocorre com as atividades rurais não-agrícolas derivadas da crescente urbanização do meio rural (moradia, turismo, lazer e prestação de serviços) e com as atividades decorrentes da preservação do meio ambiente.

A conclusão é que o meio rural brasileiro já não pode mais ser analisado apenas como o conjunto das atividades agropecuárias e agroindustriais, pois ganhou novas funções. O aparecimento (e a expansão) dessas "novas" atividades rurais - agrícolas e não-agrícolas, altamente intensivas e de pequena escala - tem propiciado outras oportunidades para muitos produtores que não podem mais serem chamados de agricultores ou pecuaristas e que, muitas vezes, não são nem mesmo produtores familiares, uma vez que a maioria dos membros da família está ocupada em outras atividades não-agrícolas e/ou urbanas.

Um novo ator social já desponta nesse novo rural: as famílias pluriativas que combinam atividades agrícolas e não-agrícolas na ocupação de seus membros.

A característica fundamental dos membros dessas famílias é que eles não são mais apenas agricultores e/ou pecuaristas: combinam atividades dentro e fora de seu estabelecimento, tanto nos ramos tradicionais urbano-industriais, como nas novas atividades que vêm-se desenvolvendo no meio rural, como lazer, turismo, conservação da natureza, moradia e prestação de serviços pessoais.

Em resumo, deixam de ser trabalhadores agrícolas especializados para se converterem em trabalhadores (empregados ou por conta própria) que combinam formas diversas de ocupação (assalariadas ou não) em distintos ramos de atividades (agrícolas e não-agrícolas).

Como a urbanização do meio rural ocorreu em paralelo à queda dos preços dos produtos agropecuários - resultado que atesta o sucesso das políticas de modernização agrícola -, o aparecimento de ocupações não-agrícolas passou a ser, na verdade, "a salvação da lavoura", como se diz por aqui. Ou seja, foi a possibilidade de obter ocupações e rendas não-agrícolas que, muitas vezes, impediu o abandono total das propriedades, especialmente pelos membros mais jovens das famílias rurais.

É claro que o novo mundo rural não é nenhum paraíso, nem mesmo nos países desenvolvidos: os índices de pobreza e miséria, bem como o isolamento das populações de menores rendas, apesar de terem se reduzido, ainda continuam altos vis-à-vis os das regiões urbanas. Mas também já é evidente que os custos monetários de sua reprodução são mais baixos no contexto rural, especialmente quando, através da atividade agrícola em tempo parcial, também há interligação via mercado de trabalho. Talvez seja esse o ponto fundamental de interesse dos setores capitalistas modernos pela nova relação de trabalho representada pela pluriatividade das famílias rurais.

No Brasil também já se percebe com clareza o fenômeno da pluriatividade e da agricultura em tempo parcial e se pode observar, em graus diferentes de importância relativa conforme as diferentes regiões do país, a especialização das unidades produtivas, o crescimento da prestação de serviços, a formação de redes dentro dos distintos complexos agroindustriais, o crescimento do emprego rural não-agrícola e a melhoria das condições de vida e de lazer no meio rural.

Por tudo isso o "novo rural brasileiro" precisa ser repensado neste final de século sob pena de chegarmos ao ano 2000 com as mesmas políticas produtivistas inspiradas na Revolução Verde dos anos 50.

Este livro reúne textos publicados em anais de congressos e revistas especializadas entre 1997 e 1998, em torno da temática que ficou conhecida como "O Novo Rural Brasileiro".

O primeiro capítulo foi publicado originalmente no número especial da revista Nova Economia (CEDEPLAR /UFMG, em Belo Horizonte) em maio de 1997, destinado a apresentar trabalhos que utilizassem os dados das novas Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios - PNADs - dos anos 90 que estavam sendo lançadas pelo IBGE. A divulgação das novas PNADs me permitiu atualizar o capítulo final do meu livro A Nova Dinâmica da Agricultura Brasileira (Campinas, IE/Unicamp, 2. ed., 1998) que abordava a temática do crescimento das atividades não-agrícolas no meio rural brasileiro nos anos 80.

Na verdade, eu já vinha explorando essa temática desde meados de 1993, expressa no artigo publicado na revista São Paulo em Perspectiva editada pela Fundação SEADE (São Paulo, v.7, n.3, jul./set.). A partir daí abriu-se a nova linha de pesquisa que se materializou no Projeto Rurbano, I que procura analisar as transformações nas relações campo-cidade no Brasil a partir de 1981 com base nos micro dados das PNADs.

O Capítulo 2 apresenta a evolução das ocupações no meio rural brasileiro de forma mais detalhada. Ele foi escrito em coautoria com Mauro DeI Grossi, pesquisador do IAPAR-PR, e representa a nossa visão das diferentes dinâmicas que impulsionam a geração de empregos não-agrícolas no meio rural brasileiro nos anos 90.

Os capítulos seguintes apresentam alguns textos que exploram os desdobramentos da temática original tendo por unidade a preocupação com as políticas públicas que deveriam ser desenhadas para dar conta do novo rural brasileiro.

O Capítulo 3 explora o tema da delimitação do rural e do urbano no Brasil a partir das novas aberturas geográficas apresentadas pelas novas PN ADs.

A análise dos dados permitiu mostrar que o "novo rural" não é o resultado do mero desdobramento das áreas urbanas que lhe são contíguas. Ou seja, as transformações apontadas anteriormente estão ocorrendo também naqueles espaços antes considerados exclusivamente agropecuários e nos municípios pequenos e médios do interior.

O Capítulo 4 reproduz artigo escrito em coautoria com técnicos da Fundação SEADE, explorando os dados para o estado de São Paulo, onde as transformações do espaço agrário mostravam-se mais profundas. A tese aí desenvolvida é a de que as tradicionais atividades produtivas agrícolas e pecuárias já não são mais suficientes para explicar a dinâmica do emprego e da população rural do estado de São Paulo. É preciso incluir outras variáveis, como as atividades rurais não-agrícolas decorrentes da crescente urbanização do meio rural (moradia, turismo, lazer e outros serviços), as atividades de preservação do meio ambiente, além do conjunto de atividades intensivas (olericultura, floricultura, fruticultura de mesa, piscicultura, criação de pequenos animais, como rãs, canários, aves exóticas) que buscam "nichos de mercado" específicos para sua inserção econômica.

Também discutimos aí as limitações ao crescimento do emprego agrícola no país e procuramos listar as principais "novas" atividades agrícolas e as atividades não-agrícolas que vêm se desenvolvendo no novo rural brasileiro e apontar a sua importância tanto em termos de ocupação, como de geração de renda. Como já dissemos, essas "novas" atividades não são tão novas assim: o importante é que elas se originam de um processo mais amplo de mercantilização do espaço agrário e já nascem inseri das em novas cadeias produtivas, muitas das quais de grande porte, envolvendo nichos de mercado até então não existentes.

o Capítulo 5 apresenta a primeira tentativa de formulação de um conjunto de políticas não-agrícolas para o novo rural brasileiro. E o Capítulo 6 apresenta as implicações da nova abordagem para uma das mais importantes políticas públicas do nosso país, a da reforma agrária, advogando que ela não precisa mais ter cunho essencialmente agrícola.

Antes de terminar a apresentação é importante deixar claro que o corte rural! urbano adotado pelas PNADs tem muitas limitações. A mais importante delas é que ele se baseia em definição estritamente legal: urbana é a área delimitada pelo perímetro urbano, assim definida segundo a legislação de cada município na data do censo populacional. Ou seja, o recorte urbano/rural permanece fixo nos intervalos intercensitários, o que pode prejudicar algumas comparações entre PNADs que não derivem da mesma base censitária. Por outro lado, isso permite captar exatamente a "invasão" do rural pelo urbano dentro dos intervalos censitários, que é um dos aspectos mais importantes da "urbanização do meio rural" a que vimos nos referindo.

Ou seja, tanto o rural como o urbano devem ser entendidos a partir dos dados das PNADs como espaços geograficamente definidos antes dos levantamentos censitários, em função dos perímetros urbanos definidos pelos municípios.

E que permanecem fixos, pelo menos até o novo levantamento censitário, independentemente de os municípios terem ou não alterado seu perímetro urbano no intervalo, o que não costuma acontecer com frequência, como mostram as evidências que conseguimos reunir.

Finalmente, quero deixar registrado meu agradecimento a todos aqueles que tornaram esse livro possível. Em particular ao apoio dos colegas, estagiários e funcionários do Instituto de Economia da Unicamp, sem os quais esse livro não teria sido possível.

Campinas, janeiro de 1999.