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Por Davi Carvalho

 

Em audiência pública realizada no dia 10 de junho de 2025, na Comissão Especial sobre Alteração da Legislação do Imposto de Renda (PL 1087/25), na Câmara Federal, a professora Luiza Nassif Pires apresentou uma análise sobre as relações entre o sistema tributário brasileiro e a desigualdade social. Ela evidenciou como a tributação, em vez de mitigar as desigualdades históricas, frequentemente as reforça, tornando-se um obstáculo para a justiça social.

Logo no início, Nassif chamou a atenção para a profundidade da desigualdade no Brasil. Com base em dados do World Inequality Database, destacou que o 1% mais rico da população brasileira apropria-se de 23,6% da renda nacional, enquanto os 50% mais pobres detêm apenas 9,1%. Para ilustrar, recorreu à metáfora do “bolo”, explicando que, numa festa imaginária, uma única pessoa ficaria com uma fatia inteira, enquanto 500 pessoas dividiriam outra. Essa imagem, ainda que simplificada, revelou o abismo entre as camadas de renda.

A desigualdade, lembrou a professora, não é apenas econômica: é atravessada por recortes de raça e gênero. No 1% mais rico, 57% são homens brancos; no 0,1%, esse percentual sobe para 69%, enquanto apenas 6% são mulheres negras. O dado é ainda mais alarmante quando se constata que 705 mil homens brancos concentram renda equivalente à de 33 milhões de mulheres negras no país.

Nassif expôs que o sistema tributário brasileiro, em vez de reduzir desigualdades, agrava-as. Isso se deve, sobretudo, ao peso excessivo dos impostos indiretos — que incidem de forma regressiva e atingem mais fortemente a população de baixa renda. Dados de pesquisa realizada por Fernando Geiger (IPEA) e Theo Ribas Palomo (MAD) mostraram que, quando se considera apenas a renda disponível após a tributação, o índice de Gini, que mede a desigualdade, aumenta. Somente ao incluir benefícios sociais como saúde e educação públicas é que se verifica alguma redução, ainda assim modesta — uma queda de cerca de 13% no Gini, muito abaixo do observado em outros países.

Ao tratar do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), Nassif destacou a contradição entre a teoria e a prática. Embora o IRPF tenha um desenho progressivo, que supostamente tributaria proporcionalmente mais quem ganha mais, na realidade, isso não se confirma. A partir do percentil 99 de renda, a alíquota efetiva — que inclui todas as fontes de rendimento, inclusive lucros e dividendos — começa a cair, revelando regressividade. A não tributação de lucros e dividendos, explicou, é um dos principais fatores que distorcem o sistema. Como essas rendas concentram-se majoritariamente entre homens brancos, a regressividade tributária reforça desigualdades raciais e de gênero.

Nassif enfatizou que essa distorção não é apenas uma questão de progressividade vertical, mas também de equidade horizontal: pessoas com rendas similares devem pagar percentuais similares de impostos. Atualmente, pessoas negras pagam proporcionalmente mais impostos do que pessoas brancas na mesma faixa de renda, contrariando os princípios básicos de justiça fiscal.

Sobre o projeto de lei em discussão (PL 1087/25), Nassif explicou que a proposta visa estabelecer uma alíquota efetiva de até 10% para rendas acima de R$ 50 mil por mês, incluindo algumas das rendas hoje isentas. Embora a medida busque reduzir a regressividade no topo, Nassif considerou que o efeito seria apenas parcial: a alíquota máxima prevista de 10% ainda seria inferior à alíquota efetiva de aproximadamente 13% que incide sobre o décimo decil da renda hoje. Para reverter de fato a regressividade, seria necessário, segundo ela, elevar a alíquota efetiva para cerca de 15% para os mais ricos.

A professora argumentou que, ainda que o projeto represente um avanço modesto, ele é um passo importante para enfrentar a desigualdade tributária e racial. Ao incluir lucros e dividendos na base de cálculo, o PL permitiria reduzir a desigualdade racial, corrigindo parte da injustiça estrutural que caracteriza o sistema tributário brasileiro. Além disso, reconheceu a dificuldade de avançar em um debate historicamente marcado por resistências políticas e por uma cultura tributária que privilegia poucos.

Encerrando sua participação, Nassif fez um apelo aos parlamentares: é hora de transformar a estrutura tributária em um instrumento efetivo de justiça social. Num país em que a desigualdade persiste como traço marcante, o sistema tributário não pode seguir funcionando como uma engrenagem que perpetua privilégios. Para ela, a oportunidade de reforma tributária representa a chance de combater, ainda que parcialmente, o tributo invisível que pesa sobre quem tem menos e beneficia quem tem mais.

 

Confira abaixo a participação da professora Luiza Nassif Pires na Comissão Especial: