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O professor Antônio Márcio Buainain analisa o ruído gerado pelas declarações de Bill Gates. O artigo argumenta que o pragmatismo do empresário reforça a urgência de o Brasil reorientar o debate climático para a adaptação e a justiça climática, contrapondo-se a modelos que ignoram as necessidades da Amazônia e do agronegócio, e exigindo que a sustentabilidade priorize o desenvolvimento humano — e não apenas o crescimento do PIB.

 

Antônio Márcio Buainain*

 

Em artigo recente, Bill Gates dirigiu-se a todos os participantes da COP 30 para expor “Três Verdades Duras sobre o Clima” que deveriam ser consideradas durante a Conferência (https://www.gatesnotes.com/home/home-page-topic/reader/three-tough-truths-about-climate
). As declarações de Gates incendiaram o debate às vésperas de um encontro que, a despeito do boicote dos Estados Unidos e dos temores logísticos que marcaram os meses de preparação, poderá ser um marco histórico na transição da fase de conscientização climática para uma ação mais firme dos países em defesa da sustentabilidade.

Meu amigo Xico Graziano foi um dos que intervieram, de forma incisiva, como é de seu estilo, ao afirmar que Bill Gates “bagunçou o coreto da COP 30” (Xico Graziano | Bill Gates bagunçou o coreto da COP 30). A expressão capta com precisão o ruído e a polarização gerados pelas verdades ditas por Gates. Ele questionou o tom apocalíptico do debate e exigiu que o foco global fosse reorientado para a adaptação, a saúde e a agricultura nos países em desenvolvimento. Esse posicionamento acendeu a controvérsia e teve suas falas instrumentalizadas por diferentes espectros políticos, com o objetivo de enfraquecer a Conferência. Contudo, essa interpretação — que vê Gates como um agente de desordem e procura usar seus argumentos com sinais trocados — falha em reconhecer o pragmatismo e o alinhamento de seu discurso com os objetivos reais de uma COP sediada no Sul Global.

A “bagunça” promovida por Gates é, essencialmente, uma crítica à rigidez estratégica que domina parte do ativismo climático. O empresário não apenas se opõe ao tom apocalíptico que paralisa a ação, mas confronta diretamente a postura dos ecoradicais que, em sua obsessão pela meta de temperatura, tendem a ignorar as necessidades urgentes de desenvolvimento das nações mais pobres. Essa abordagem radical, com frequência, desvaloriza o percurso e as melhorias já conquistadas — importantes, ainda que insuficientes —, falhando em reconhecer que a mitigação não pode impedir o desenvolvimento. Gates lembra que a prioridade deve ser o bem-estar humano e que, para a imensa maioria dos mais pobres, a pobreza e as doenças continuam sendo ameaças maiores do que o clima. É nesse ponto que o pragmatismo de Gates se torna um aliado de todos aqueles que, na COP 30, buscam um equilíbrio entre a ambição climática e a realidade do crescimento econômico.

Sua crítica, portanto, é dirigida ao método, e não ao mérito, da causa climática. O foco de Gates está na inovação tecnológica e na redução do “prêmio verde” — o custo extra das tecnologias limpas —, a única forma realista de acelerar a descarbonização sem paralisar a economia mundial. Ao demandar mais eficiência, ele endossa o objetivo final da política climática, mas exige uma rota mais viável e menos dogmática, afastando-se do ativismo extremista.

Longe de enfraquecer a COP 30, a ênfase de Gates em adaptação, saúde e agricultura reforça a pauta central que o Brasil — como país-sede e voz do Sul Global — precisa promover. Há anos, o debate climático tem sido dominado pela mitigação (redução de emissões), prioridade dos países desenvolvidos. Gates, com seu peso global, endossa a necessidade de reorientar o foco para a resiliência e o desenvolvimento humano. Ele exige que os investimentos climáticos melhorem a qualidade de vida das pessoas que já sofrem o impacto do aquecimento, priorizando soluções que salvam vidas hoje — uma mensagem que dialoga diretamente com a necessária justiça climática.

A ressonância das declarações de Gates e da pertinente análise de Xico Graziano encontra eco direto nos desafios da COP 30, especialmente no Brasil. A necessidade de pragmatismo é gritante na Amazônia: o país enfrenta o dilema de preservar a floresta enquanto promove o desenvolvimento humano. Muitas “soluções” idealizadas globalmente são bonitas no papel, mas falham em oferecer perspectivas reais de geração de renda e bem-estar para as populações, tanto urbanas quanto rurais, alimentando o ciclo de pobreza e degradação. De igual modo, o setor agrícola brasileiro, embora em trajetória contínua de melhoria da sustentabilidade e eficiência — um verdadeiro modelo de adaptação e produtividade em clima tropical — atrai um misto de críticas válidas e espúrias, estas últimas muitas vezes motivadas por razões puramente comerciais e disfarçadas de preocupação ambiental. O pragmatismo de Gates, ao exigir foco em soluções reais e em adaptação, serve como um poderoso endosso à necessidade de o Brasil pautar a COP 30 com essa visão de mundo equilibrada.

A “bagunça” de Bill Gates é um convite para um debate climático mais humano, pragmático e eficaz. Ele não ataca a Conferência, mas a ineficácia do ativismo que ignora a realidade econômica e social do Sul Global. Em vez de ser visto como elemento desestabilizador, Gates pode ser interpretado como uma voz poderosa que convoca a COP 30 a se concentrar no que realmente importa para a maioria da população global: soluções que garantam desenvolvimento e resiliência. Assim, a luta contra a mudança climática deve ser, acima de tudo, uma luta pelo bem-estar humano. Nesse sentido, suas declarações não significam qualquer relaxamento da importância climática, nem servem como desculpa para não perseguir, com a máxima diligência, um modelo de sustentabilidade que priorize o desenvolvimento humano — e não apenas o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).

 

O conteúdo deste artigo reflete exclusivamente a opinião do autor, não representando a posição institucional do Instituto de Economia da Unicamp.

 

* - Professor Titular do Instituto de Economia da Unicamp, pesquisador do Centro de Economia Aplicada, Agrícola e do Meio Ambiente (CEA/IE/Unicamp) e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (INCT/PPED)