Introdução. A pandemia: escalada do desalento 

 

Nos primeiros dias de 2020, o mundo soube do surto endêmico de uma nova forma de coronavíruso SARS-CoV-2 –, à altura restrito à cidade de Wuhan, capital da província da China central, entrecortada pelos rios Yangtzé e Han. Ao contrário de seus análogos já conhecidos (a SARS e a MERS, p. ex.[3]), a doença provocada pelo SARS-Cov-2 – conhecida como COVID-19 – tinha por características sintomáticas a manifestação mais intensa e duradoura de coriza, febre, diarreia, vômito, falta de apetite, perda do olfato e do paladar, aguda dificuldade respiratória e dores no corpo que poderiam evoluir para um quadro de pneumonia grave.

Desde a fase epidêmica, combater o avanço da síndrome se tornou a preocupação prioritária da Organização Mundial da Saúde, que logo a classificou como “emergência de saúde pública de importância internacional” (= public health emergency of international concern”, ou PHEIC), no mais elevado nível de alerta do Regulamento Sanitário Internacional. Na dicção de Tedros Adhanom Ghebreyesus (diretor-geral da OMS) e de Roberto Azevêdo (diretor-geral da OMC),

 

[o] objetivo do Regulamento Sanitário Internacional é prevenir, proteger contra, controlar e proporcionar uma resposta de saúde pública à disseminação internacional de doenças de modo proporcional aos riscos à saúde pública, com vista a minimizar a  interferência no tráfego e no comércio internacionais. As regras da OMC fornecem aos governos as flexibilidades necessárias para enfrentar situações de escassez de suprimentos médicos essenciais e/ou desafios de saúde pública. No entanto, qualquer medida tomada para promover a saúde pública deve ser "direcionada, proporcional, transparente e temporária", em consonância com os recentes apelos dos líderes mundiais. Os governos devem evitar medidas que possam interromper as cadeias de fornecimento e impactar negativamente as pessoas mais pobres e vulneráveis, notadamentee em países em desenvolvimento e menos desenvolvidos que são tipicamente dependentes de importações de medicamentos e equipamentos médicos.[4]

 

A sigla COVID-19 combina a expressão anglófona “Coronavirus disease” com o ano de surgimento da moléstia (2019). Nas semanas e meses seguintes, o surto ganharia o status de epidemia, atingindo as demais metrópoles chinesas e extrapolando as fronteiras daquele País em direção ao Japão e à Coreia do Sul para, então, se dispersar por todo o mundo, no embalo do frenético trânsito de pessoas e de bens a caracterizar a economia globalizada do século XXI. Em 11 de março de 2020, era reconhecida como uma pandemia: doença de alto poder de contágio, que se espalha velozmente ao longo das fronteiras nacionais, alcança vários Estados nacionais e tende à contaminação planetária.[5]

No final de fevereiro, após a COVID-19 se propagar em solo europeu, foram registrados os primeiros casos no Brasil. No decorrer do mês de março, os doentes já eram contados aos milhares e os mortos às centenas, restando ao Ministério da Saúde reconhecer – e anunciar – a ocorrência de transmissão comunitária em todo o território nacional. Em termos epidemiológicos, tal estágio é caracterizado pela dispersão autônoma da doença em uma determinada região geográfica e pela impossibilidade de identificação e de controle a respeito de sua cadeia de contágio.[6]  No momento em que encerramos a redação deste artigo, o Brasil ultrapassa a marca dos catorze mil mortos pelo novo coronavírus (no mundo, somam-se mais de 302 mil óbitos).[7]

 

1. A pandemia, a Constituição e o meio ambiente do trabalho. Coronavírus e poluição labor-ambiental. A pantomima: MP 927/2020

A partir do momento em que se reconhecia nacionalmente o fenômeno da transmissão comunitária, a dispersão do coronavírus adquiriu outro patamar, tornando-se uma questão efetivamente ambiental, na medida em que a circulação do microorganismo nos espaços naturais e artificiais que abrigam a população em geral passou a consubstanciar risco biológico sistêmico e agravado.[8] No estágio de transmissão comunitária, qualquer indivíduo está sujeito, em maior ou menor grau, a adquirir a COVID-19 nos lugares em que frequenta; e, mais, a transportar o agente transmissor para outros espaços, de modo que o vírus passou a ser um vetor biológico de base antrópica (porque disseminado pelo ser humano) passível de interferir negativamente na qualidade de vida da coletividade e de seus integrantes.[9]

Nesse contexto, o meio ambiente do trabalho, a compreender o sistema formado pelas condições físicas, psíquicas e organizacionais que circundam os indivíduos no desempenho de suas atividades profissionais, passou a figurar como um possível espaço de entronização e circulação do novo coronavírus, de modo que aquele risco agravado, presente na generalidade dos espaços naturais e artificiais, também passou a integrá-los e a condicionar decisivamente a qualidade de vida dos trabalhadores ali inseridos.[10]

Pode-se afirmar, portanto, que a entronização e a circulação do novo coronavírus nos espaços laborais constitui, em um contexto de transmissão comunitária de base antrópica (i.e., por meio de seres humanos), um nítido suposto de poluição labor-ambiental, na medida em que tal possibilidade acaba por instituir naqueles espaços um estado de  “desequilíbrio sistêmico no arranjo das condições de trabalho [e] da organização do trabalho”, de modo a ocasionar aos indivíduos ali ativados “riscos intoleráveis à segurança e à saúde física e mental [...] arrostando-lhes, assim, a sadia qualidade de vida”.[11] Ou, na esteira da Lei 6.938/1981 – como preferimos (de modo a evitar polêmicas conceituais[12]) –, um estado de “degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente [...] prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população [e] criem condições adversas às atividades sociais e econômicas” (art. 3º, III, “a” e “b”).

No ordenamento jurídico brasileiro, com efeito, o direito ao meio ambiente equilibrado, como consagrado pelo artigo 225, caput, da Constituição, abrange todos os aspectos naturais, artificiais e culturais – logo, físicos e imateriais – que circundam os seres humanos e que interferem na sua sadia qualidade de vida, incluindo-se aí aqueles que integram e condicionam o trabalho por eles desempenhado. Nesse sentido, o próprio Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de reconhecer expressamente que “a existência digna [...] perpassa necessariamente pela defesa do meio ambiente (art. 170, VI, da CRFB/88), nele compreendido o meio ambiente do trabalho (art. 200, VIII, da CRFB/88).”[13]  

E como corolário do direito ao meio ambiente do trabalho equilibrado (“ex vi” do artigo 225, caput, c.c. artigos 193 e 200, VIII, da Constituição Federal), a Lex legum consagrou, no seu artigo 7º, XXII, o direito social jusfundamental à “redução dos riscos inerentes ao trabalho”, que (a) realiza no plano laboral o princípio jurídico-ambiental da melhoria contínua (ou, como prefere Sebastião Geraldo de Oliveira, princípio do “risco mínimo regressivo”[14]), (b) é titularizado por todos os trabalhadores em atividade no território nacional (ou, fora dele, se em conexão com o ordenamento jurídico brasileiro[15]), sejam ou não subordinados, e (c) traduz-se, para os empresários, nos deveres de antecipação, de planejamento e de prevenção dos riscos labor-ambientais. Tais deveres demandam, em síntese, a adoção de todas as medidas e instrumentos disponíveis no mercado, de acordo com o estado da técnica, que sejam economicamente viáveis e tecnologicamente aptos a promover a eliminação ou a mitigação das ameaças à vida, à integridade psicofísica e à saúde dos trabalhadores, de modo a precaver e prevenir a ocorrência de quaisquer vicissitudes.[16]

Em linha com tal diretriz constitucional, a Convenção nº 155 da OIT, ratificada pelo Brasil (Decreto n. 1.254/1994) – e, a nosso viso, internalizada com força de supralegalidade (mercê da intelecção do RE n. 466.343 e do RE n. 349.703, entre outros[17]) –,  estabelece em seus artigos 16 a 18 que as empresas são obrigadas a garantir a segurança de seus processos operacionais com relação à integridade psicofísica de seus trabalhadores, bem como a implementar todas as medidas cabíveis, segundo a melhor técnica disponível, para elidir ou minimizar os riscos existentes em seus ambientes de trabalho, incluindo-se, aí, a elaboração de procedimentos destinados a lidar com situações de urgência.[18]

Logo, à luz do conceito de meio ambiente do trabalho contemplado pela Constituição Federal de 1988, bem como dos dispositivos constitucionais e convencionais que asseguram a sua higidez com vista ao resguardo da vida, da saúde e da segurança dos trabalhadores, convém repisar: o ingresso do novo coronavírus nos locais de trabalho, em um contexto de transmissão comunitária, configura um efetivo risco a desestabilizar o equilíbrio das condições de trabalho e a qualidade de vida dos trabalhadores, configurando típica hipótese de poluição labor-ambiental (CF, art. 200, VIII, c.c. Lei 6.983/1981, art. 3º, III, “a” e “b”), uma vez consumada a contaminação interna.  

Note-se, ademais, que, de acordo com a mesma Lei nº 6.938/81, o poluidor é classificado em seu artigo 3º, IV, objetivamente, como “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental”. Daí porque, oportunizando a entronização e a circulação do novo coronavírus no meio ambiente artificialmente organizado, em condições de transmissão comunitária, há risco proibido ou “intolerável” – i.e., risco não inerente à atividade e desaprovado pela ordem jurídica – que convola o empregador em poluidor, para os fins do referido art. 3º, IV (ainda que indiretamente, à maneira das entidades financiadoras, licenciadoras ou “oportunizadoras” em geral[19]), haja ou não “culpa” no fato da contaminação interna.  Daí porque os tomadores de serviços em geral se encontram obrigados, por força dos artigos 7º, XXII e 225, caput, da Constituição Federal e dos artigos 16 a 18 da Convenção nº 155 da OIT, a implementar programas e medidas concretas de prevenção destinadas a eliminar ou minimizar as ameaças derivadas do novo coronavírus.

E, nessa precisa ordem de ideias, entendíamos serem inconstitucionais, por malferimento ao art. 7º, XXII, da Constituição (risco mínimo regressivo), os artigos 15, 16, 17, 29 e 31 da Medida Provisória n. 927, de 22.3.2020. O art. 29 da MP 927/2020, em particular, era a mais cintilante das pérolas que coroavam a pantomima ensaiada naquele diploma, quanto à finalidade de proteção do trabalhador (já que o objetivo de preservação do emprego, externado no caput do art. 1º, há de ser necessariamente o de preservar o emprego decente[20]) e de respeito à ordem constitucional (já que o art. 2º  enuncia, como perímetro de validade para os acordos individuais escritos – e, supõe-se, para todas as possibilidades engendradas pela medida provisória – “os limites estabelecidos na Constituição”).

Com efeito, se no início de março de 2020 o Ministério da Saúde reconhecia publicamente o estado de transmissão comunitária do SARS-Cov-II em todo o território nacional, como poderia ser razoável que o Poder Executivo federal editasse,  no final do mesmo mês, um ato normativo apto a suspender a obrigatoriedade de realização dos exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares, exceto dos exames demissionais” (e esses, ademais, apenas se não houver exame demissional realizado há menos de cento e oitenta dias), consoante art. 15, caput e §3º, da MP 927/2020? Como tal suspensão – que aumenta sensivelmente os riscos de internalização do novo coronavírus nos ambientes corporativos (quando o comando constitucional vai na direção da redução de riscos) – poderia colaborar para com o achatamento das curvas de contaminação, cada vez mais exponenciais em todo o país (caminhando-se, como dissemos alhures, para ser o epicentro global da pandemia[21])? O que dizer, nesse contexto, da responsabilidade do empregador que, dispensando o exame médico admissional – como autoriza o art. 15 –, vier a inserir, em seus quadros de pessoal, trabalhador contaminado pelo SARS-Cov-2 que, ao tempo da admissão, apresentava boa parte dos sintomas da COVID-19? Poderá ulteriormente se eximir da responsabilidade civil derivada da contaminação dos demais empregados?

Entendemos que não (e, já por isso, a importância de que os coordenadores de PCMSO valham-se largamente da hipótese do art. 15, §2º[22]). A MP 927/2020 não introduz qualquer “imunidade” contra a responsabilidade civil, ao contrário da recente MP 966/2020[23]; e, a nosso ver, nem poderia fazê-lo, do ponto de vista constitucional, mercê da norma do art. 7º, XXVIII, 2ª parte, da CRFB (“[...] seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado [...]”). Se, ademais, a responsabilidade civil se estabelece em razão da degradação das condições de higiene e de segurança biológica do meio ambiente do trabalho – pela introdução furtiva do novo coronavírus, oportunizada pela ausência de exames médicos admissionais ou mesmo periódicos[24] –, não caberána discutir a culpa do empregador, “ex vi” do art. 14, §1º, da Lei 6.938/1981.[25] De nada lhe valerá afirmar, portanto, que apenas dispensou os exames médicos porque “a lei” – rectius: a MP 927/2020 – autorizava-o a fazê-lo (embora o autorize, de fato e de direito, para fins administrativos). Afinal, como bem pondera Leme Machado, “pode haver poluição ainda que se observem os padrões ambientais”, i.e., ainda que o sujeito cinja-se estritamente aos limites da lei.[26] A ilicitude da poluição – inclusive a labor-ambiental – deriva do fato da degradação (Lei 6.938/1981, art. 3º, II: “alteração adversa das características do meio ambiente”), não apenas do descumprimento de leis, de atos normativos e/ou de posturas regulamentares e administrativas. E, por potencializar os contextos de degradação do meio ambiente de trabalho – opondo-se diametralmente, insista-se, às diretrizes normativas dos artigos 7º, XXII, e 225, caput, da CRFB –, os precitados artigos da MP 927/2020 (15, 16, 17, 29, 31) padeceriam de inconstitucionalidade “tout court” (ou, ao menos, desafiariam interpretações conforme à Constituição). 

Nada obstante, o Supremo Tribunal Federal – a quem compete a função máxima de guardar a integridade do texto constitucional –, provocado a se manifestar sobre todos aqueles dispositivos, divisou inconstitucionalidade tão somente nos textos dos artigos 29 e 31; não nos demais preceitos. Com efeito, no último dia 29.4.2020, ao julgar a ADI 6342-MC/DF (ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhista),[27] o Plenário do STF deliberou suspender tão somente a eficácia dos artigos 29[28] e 31[29] da MP 927/2020; quanto aos demais, referendou o indeferimento da medida cautelar, como pronunciado pelo Min. Marco Aurélio Mello em 26.3.2020. Assim, ainda que não concordemos com a decisão plenária – no que diz respeito aos artigos 15, 16 e 17 –, omnium earum iudicium habemus” (ao menos neste momento).

                           

2. Abandonando os claustros gramaticais e as cavernas semânticas: a panaceia jurídica trinária. Holismo, prevencionismo, solidarismo. Deveres e responsabilidades patronais

Como antecipamos – e ainda à luz da Convenção nº 155 da OIT –, as medidas a serem implementadas pelos empresários, no resguardo do meio ambiente laboral e da integridade psicofísica dos trabalhadores, não se limitam às determinações legais e regulamentares expedidas pelos governos federal, estadual, municipal e/ou distrital, abrangentes das medidas concretas esperadas para este momento crítico. Nem tampouco há plena exoneração de responsabilidades (especialmente as administrativas e civis) apenas porque tais determinações foram observadas. Noutras palavras, será equivocado qualquer apego ao legalismo formal estrito – ensejador, nesta espécie, de um censurável reducionismo jurídico –, como será equivocado, para mais, propalar que somente as condutas positivadas de forma expressa nos textos normativos seriam exigíveis, ou ainda advogar a carência de respaldo legal para que se imponham quaisquer outras condutas de prevenção/precaução, mais abrangentes que as descritas (aliás, não descritas) na MP 927/20202 e na legislação correlata, aos empregadores e tomadores de serviços. Semelhante entendimento, típico das “síndromes de avestruz” que sazonalmente acometem lideranças brasileiras, não faz qualquer sentido em um ordenamento jurídico que reconhece força normativa aos princípios.[30]

Bem ao revés, o que os artigos 16 a 19 da Convenção nº 155 da OIT (que, aliás, também é “lei” em sentido material) impõem aos empresários – com respaldo, igualmente, nos artigos 7º, XXII e 225, caput, da Constituição Federal – é o dever geral de proteção, de prevenção (= prevenção/precaução) e/ou de indenidade labor-ambiental, pelo(s) qual(is) compete aos gestores dos riscos das atividades econômicas (i.e., aos empresários e afins) o planejamento, a antecipação e a implementação das medidas que se mostrem necessárias, diante dos casos concretos, para evitar ou minimizar as situações de potencial contágio dos trabalhadores pelo novo coronavírus.[31] Essas obrigações derivam, ademais, do princípio constitucional da solidariedade, gerador de responsabilidades recíprocas entre as pessoas (CF, art. 3º, I e IV, 1ª parte), de deveres universais de proteção em relação aos sujeitos vulneráveis (CF, art. 3º, III, 1ª parte) e do reconhecimento da diversidade e da pluralidade social (CF, art. 3º, III, 2ª parte, e IV)[32]; tudo isso se projeta, no plano jurídico-ambiental, como compartilhamento dos deveres de defesa e de preservação do meio ambiente – inclusive o do trabalho – para as presentes e futuras gerações, nos quais são solidários o Poder Público e a coletividade (CF, art. 225, caput), incluindo empregados e empregadores. 

Formuladas tais premissas, pode-se afirmar, em termos gerais, que a primeira obrigação dos empresários em face dos riscos de introdução e proliferação do novo coronavírus nos locais de trabalho consiste na elaboração de um plano abrangente, no âmbito do respectivo PCMSO, capaz  de (i) antecipar e registrar as possibilidades de ingresso daquele microorganismo em seus estabelecimentos; e (ii) prever as medidas coletivas e individuais de urgência a serem implementadas nas unidades produtivas com vista a debelar ou minimizar as possibilidades de contágio pelo SARS-Cov-2 por parte dos trabalhadores, na linha do que preleciona o artigo 18 da Convenção nº 155 da OIT.

Nessa alheta, a NR-1 do extinto Ministério do Trabalho (e, atualmente, “da” Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia), já com a nova redação conferida pela Portaria nº 6.730, publicada no Diário Oficial da União de 9.3.2020, estabelece textualmente, em seu item 1.4.1, que os empresários estão obrigados a avaliar e antecipar de maneira adequada e realista os riscos ambientais presentes nos locais de trabalho, bem como a agir concretamente para elidir ou minimizar tais riscos, por intermédio (i) da reorganização dos fatores de produção; (ii) do estabelecimento de medidas de proteção coletiva e (iii) do fornecimento de equipamentos de proteção individual.[33]

Em segundo lugar, o dever geral de indenidade labor-ambiental subjacente aos sobreditos dispositivos constitucionais e convencionais impõe aos empresários a implementação “intramuros” das medidas comezinhas de planejamento emergencial nacionalmente preconizadas para toda a população, em observância às recomendações técnicas emanadas das autoridades sanitárias para o combate à proliferação do novo coronavírus. Isso significa adaptar, às necessidades e às condições labor-ambientais concretas, as orientações voltadas para o público em geral, uma vez que os riscos gerais de contaminação (= risco geral da vida) incrementam-se nos espaços coletivos de trabalho, onde os indivíduos partilham da mesma geografia e se valem de equipamentos e de insumos coletivos durante longos períodos. Nesse sentido, são plenamente válidas para os locais de trabalho as seguintes diretrizes sanitárias de aplicação universal:

(a) o uso de equipamentos coletivos e individuais de segurança biológica, específicos para os riscos da pandemia, como são, notadamente, a instalação de recipientes fixos ou móveis de álcool gel (para uso coletivo) e o fornecimento de máscaras de proteção (não necessariamente de tipo cirúrgico) para o convívio em grupo;

(b) o distanciamento mínimo de, aproximadamente, dois metros entre os trabalhadores, a fim de evitar a aspiração das gotículas de saliva e de coriza exaradas em tosses, espirros ou mesmo na expiração do ar;[34]

(c) a instalação e a disponibilização massiva de equipamentos e insumos destinados à lavagem frequente das mãos (basicamente, pias, torneiras com água corrente, sabão e toalhas descartáveis);

(d) a ventilação dos ambientes e a otimização da circulação do ar, evitando-se o confinamento dos indivíduos em espaços enclausurados;

(e) a higienização constante das bancadas, dos equipamentos de uso coletivo e dos instrumentos individuais utilizados no desempenho das atividades regulares;[35]

(f) o afastamento imediato dos sujeitos integrantes dos chamados “grupos de risco” (portadores de comorbidades, pessoas com idade superior a sessenta anos, gestantes, diabéticos etc.);[36] e

(g) o afastamento imediato dos sujeitos portadores de sintomas que permitam razoavelmente supor a contaminação pelo SARS-Cov-2 (e por isso seriam tão relevantes os exames médicos admissionais, periódicos e complementares, como apontado supra).[37]

                          

Ainda sobre essa gama de cuidados labor-ambientais indispensáveis (e, em particular, quanto à necessária higienização habitual dos equipamentos coletivos e individuais de trabalho), a Organização Internacional da Saúde destaca, em sua publicação dedicada à adequação dos locais de trabalho aos riscos advindos do novo coronavírus (“Getting your workplace ready for COVID-19”), que as pessoas podem se infectar, no meio ambiente do trabalho, a partir das gotículas de saliva ou de corrimento nasal depositadas no maquinário e no mobiliário de uso comum ou simplesmente por sua aspiração ainda no ar, o que reforça a necessidade do distanciamento de segurança entre os trabalhadores.[38]

Em respaldo às imposições acima descritas – que, insista-se, deixam de ser meras “recomendações” sanitárias e se convolam em genuínas obrigações jurídicas para o empregador[39], mercê do risco profissional engendrado no interesse da atividade econômica (princípio da alteridade: CLT, art. 2º, caput) e do seu dever de garante do equilíbrio labor-ambiental (CRFB, arts. 7º, XXII, 225 e 200, VIII) –, a Organização Internacional do Trabalho editou, recentemente, o informe intitulado “Las normas de la OIT y el COVID-19 (Coronavirus)”, em que reitera as obrigações emanadas da Convenção nº 155 no sentido de que os empresários devem (i) implementar todas as medidas possíveis, segundo a melhor técnica, para reduzir ao mínimo os riscos inerentes à exposição ocupacional ao novo coronavírus, inclusive por intermédio do fornecimento de equipamentos de proteção individual; (ii) proporcionar aos trabalhadores as informações adequadas sobre tais riscos; (iii) estabelecer procedimentos de urgência para a situação geral da pandemia (ou, acrescentamos, para casos especiais concretamente identificados de contaminação comunitária intramuros); e (iv) notificar os casos de contaminação às autoridades sanitárias.[40]

Nesse mesmo sentido, a Occupational Safety and Health Administration (OSHA-US), agência responsável pelas políticas de saúde e segurança do trabalho nos Estados Unidos da América, publicou diretrizes destinadas a promover a organização dos locais de trabalho diante dos riscos ocupacionais representados pelo novo coronavírus. Relevante notar que a referida agência aponta, como etapas para a prevenção, exatamente (i) o “desenvolvimento de um plano de prontidão e resposta a doenças infecciosas” e (ii) “a implementação de medidas básicas de prevenção de infecções” com base nas orientações emanadas das autoridades sanitárias,[41] na linha do que foi abordado acima, como decorrência – entre nós – dos artigos 7º, XXII e 225, caput, c.c. art. 200, VIII, da Constituição Federal, ou ainda da Convenção nº 155 da OIT.

Voltamos, pois, às considerações que vínhamos de apresentar no tópico anterior, à luz da gestão jurídica dos riscos e das consequentes responsabilidades. Caso tais obrigações essenciais não sejam observadas pelos empresários, ter-se-á a instalação de risco proibido nos ambientes de trabalho por eles administrados, com degradação ambiental de base antrópica que permite considerá-los poluído – inclusive para os efeitos da Lei n. 6.938/1981 –, comprometendo potencialmente a vida, a saúde, a integridade psicofísica e/ou o bem-estar não apenas dos trabalhadores (subordinados ou não), mas também de toda a comunidade de entorno, mormente no atual contexto de transmissão comunitária do novo coronavírus.[42] Os estabelecimentos de empresa não podem se transformar em “caixas de ressonância” infectológicas (v. nota n. 19, supra); ou tampouco em “criadouros de vírus”, na expressão mais comum dos sanitaristas.[43] E a responsabilidade primeira por essa condição geral de assepsia, especialmente do ponto de vista jurídico, é precisamente do empresário (ou de quem a ele esteja equiparado: art. 2º, §1º, da CLT).

Nessa esteira, como dizíamos, a omissão patronal no que concerne à antecipação, à prevenção e ao combate efetivo dos riscos representados pela entronização do novo coronavírus em seus estabelecimentos – e isso se aplica a todas as atividades que envolvam trabalhadores, sejam ou não empresariais[44] – sujeita-os, nos termos do artigo 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81, à responsabilização objetiva (i.e., independentemente da existência ou comprovação da culpa subjetiva de prepostos do empregador) por todos os danos físicos e psíquicos que, por conta da COVID-19, vierem a acometer os trabalhadores contagiados com o SARS-Cov-2, inclusive em função da inobservância das diretrizes sanitárias amplamente divulgadas para a contenção dos contágios.

Um obstáculo relevante para a aferição dessa responsabilidade apresentou-se com teor do artigo 29 da MP 927/2020, ao estabelecer que “os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal”. Criava-se uma inexplicável inversão do ônus da prova em desfavor do trabalhador, na contramão da tendência universal do Direito Previdenciário (cada vez mais permeável às presunções de causalidade, como se vê, p. ex., no art. 21-A da Lei 8.213/1991, que trata do nexo técnico epidemiológico). Mas, como esclarecido, a sua eficácia foi suspensa pelo Excelso Pretório, em sessão do último dia 29 de abril, exatamente porque fugiria da finalidade maior da MP 927/2020 – na dicção do Min. Alexandre de Moraes, “compatibilizar o valor social do trabalho, perpetuando o vínculo trabalhista, com a livre iniciativa, mantendo, mesmo que abalada, a saúde financeira de milhares de empresas” – e engendraria injustificáveis dificuldades para trabalhadores dos mais diversos segmentos, inclusive os ativados em atividades essenciais (Decreto n. 10.282/2020), constantemente expostos a intensos riscos de contaminação. Em termos conceituais e práticos, todavia, o referido art. 29 em nada obstaria a aplicação do art. 14, §1º, da Lei n. 6.938/1981, já que esse último dispositivo diz com a inexigibilidade forense de se demonstrar o elemento subjetivo da ação ou omissão do imputado (= dolo ou culpa por negligência, imperícia ou imprudência), não com a questão do nexo de causalidade[45] (ou, mais largamente, com o nexo de imputação normativa).

Quanto ao nexo causal propriamente dito, uma vez suspensa a eficácia do precitado art. 29, remanesce o regime probatório anterior, que bem pode deitar raízes, a nosso ver, no art. 20, §1º, “d”, da Lei 8.213/1991, para efeitos previdenciários ou trabalhistas. Por esse derradeiro dispositivo, não se considera doença do trabalho, para os fins do art. 20, II, da Lei 8.213/1991, a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho(g.n.). A premissa tem plena aplicação ao caso de pandemias, que afinal não diferem ontologicamente das endemias, se não pelas dimensões geográfica e temporal (vide nota n. 5, supra): “ubi eadem ratio ibi idem ius”. Daí que, havendo evidências de que o trabalhador infectado com o SARS-Cov-2 expôs-se à contaminação em função do seu trabalho – pense-se, e.g., na condição de médicos, enfermeiros e técnicos ou auxiliares de enfermagem, na linha de frente do combate ao coronavírus (Decreto n. 10.282/2020, art. 3º, §1º, I), ou mesmo na situação de trabalhadores ativados em empresas nas quais já se detectou a contaminação comunitária intramuros –, pode-se desde logo presumir o nexo de causalidade entre a afecção e a atividade laboral (CLT, art. 818, §1º), cabendo ao empregador fazer a prova contrária.

De outra parte, a ausência de cuidados objetivos por parte dos empresários pode sujeitá-los, no plano pessoal, até mesmo à responsabilidade penal, por incursos, e.g., nos tipos penais dos artigos 267 e 268 do Código Penal, que tratam respectivamente dos crimes de “causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos” e de “infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”, ou ainda na contravenção penal do art. 19, §2º, da Lei n. 8.213/1991 (“[...] deixar a empresa de cumprir as normas de segurança e higiene do trabalho”).[46] Nessas hipóteses, por evidente, à condenação criminal antepõem-se algumas garantias típicas do Direito Penal e Processual Penal, como as da taxatividade penal (“nullum crimen, nulla poena sine lege certa”), da proibição de analogia “in malam partem” (“nullum crimen, nulla poena sine lege stricta”)[47], da personalidade da pena e do “favor rei” (“in dubio pro reo”, inclusive no campo probatório: CPP, art. 486, VII). Mas, ainda assim, a possibilidade jurídica da reprimenda penal é inegável, para os casos extremos em que os empresários intencionalmente se recusam a implementar medidas comezinhas destinadas a minimizar os riscos de propagação do novo coronavírus, ou a providenciar o fechamento compulsório de seus estabelecimentos em hipóteses de risco grave e iminente.

E, na mesma ordem de ideias, diante de quadros críticos de franca contaminação comunitária intramuros e/ou de risco grave e iminente para a vida, a saúde e/ou a integridade física dos trabalhadores, a suspensão de atividades empresariais, imposta administrativamente (CLT, art. 161, caput[48]) ou mesmo judicialmente (Enunciado n. 60 da I Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho[49]) é medida que se impõe, encontrando respaldo não apenas no precitado artigo 161 consolidado, como também no artigo 14, IV, da Lei nº 6.938/81 e, acima deles, no próprio artigo 170 da Constituição Federal, a estruturar a ordem econômica brasileira sobre os princípios do “valor social do trabalho”, da “função social da propriedade” e da “defesa do meio ambiente”, e a lhe atribuir, como finalidade precípua, não a mera obtenção de resultados financeiros à custa da vida e da segurança dos trabalhadores e da coletividade em geral, mas sim a existência digna de todos.[50]

Por fim, convém recordar que a Convenção nº 155 da OIT, em resguardo aos relevantíssimos bens jurídicos por ela protegidos (e igualmente tutelados pelos artigos 7º, XXII, e 225, caput, da Constituição Federal), legitima a paralisação do trabalho por parte dos próprios obreiros, “ex vi” de seus artigos 13[51] e 19, “f”[52], ante a constatação de um risco grave e iminente à sua vida ou à sua saúde. É também o que reza, no Estado de São Paulo, o art. 229, §2º, da Constituição estadual.[53] Será justamente esse o caso se os trabalhadores estiverem diante do risco iminente de transmissão comunitária do coronavírus no meio ambiente de trabalho, dada a inegável gravidade da COVID-19 (seja pelas altíssimas taxas de transmissibilidade, seja pela relativa letalidade – especialmente nos grupos de risco –, seja ainda pela inexistência de vacina conhecida).

Esse direito de resistência, se exercido coletivamente, configurará clara hipótese de greve ambiental, à qual não se aplica a regra do art. 7º, caput, in fine, da Lei 7.783/1989, eis que assegurados aos trabalhadores a integralidade dos direitos trabalhistas do período (“sem prejuízo de quaisquer direitos”), independentemente de negociação coletiva ou do exercício do poder normativo da Justiça do Trabalho. A greve ambiental é, nessa vereda, a manifestação coletiva de um direito constitucional de resistência que “tem por finalidade resguardar a segurança, a saúde e a higiene do trabalhador em face da degradação ambiental.”[54]

 

3. A pandemia e as desonerações patronais: panaceia, mas nem tanto

Algumas palavras, enfim, sobre as possibilidades de desoneração jurídica que a pandemia pode criar para os próprios empregadores.

Uma vez que a pandemia do SARS-Cov-2 preordena um estado global de degradação das condições sanitárias – logo, um problema ambiental, como desde logo assumimos –, cujas origens ainda não estão sequer esclarecidas,[55] pode-se bem identificá-la como um fenômeno de força maior, inclusive para o empregador, eis que presentes os requisitos objetivo (= inevitabilidade do evento) e subjetivo (= ausência de culpa na produção do acontecimento), além de se conhecer a causa do evento (geralmente, fatos da natureza; e, na espécie, o próprio SARS-Cov-2).[56]     

Em vista disso, travou-se profícuo debate doutrinário sobre ser ou não, a pandemia, hipótese de força maior para os efeitos dos arts. 501 e 502 da CLT.[57] Adiante, à vista dos inúmeros atos emanados por autoridades públicas – administrativos, legislativos e, mais recentemente, judiciários[58] – determinando o fechamento de estabelecimentos ou até mesmo o “lockdown”[59], discutiu-se mais, se se poderia reconhecer, em tais contextos, o “factum principis”, para os efeitos do art. 486 da CLT.[60] E, nesse encalço, encontram-se à disposição do leitor entendimentos para todos os gostos, predominando os que reconhecem a força maior – afinal, a própria MP 927/2020 di-lo textualmente (art, 1º, par. único[61]) –, mas não o fato do príncipe.[62]

O debate é relevante, na medida em que a identificação de um ou outro instituto traduz relevantíssimos efeitos no Direito do Trabalho. Na dicção de Quevedo,

“Não existe incompatibilidade entre o evento força maior e a caracterização do fato do príncipe. Pelo contrário. Constantes são as referências ao art. 486, CLT, como força maior causada pelo agente da administração pública. A diferença entre a força maior e o fato do príncipe se dá na ausência de responsável imputável no primeiro, hipótese em que os prejuízos são divididos entre empregado e empregador, onde o empregador paga 50% da indenização rescisória e o empregado recebe apenas 50% do que teria direito. Na hipótese do fato do príncipe, o empregador fica isento do pagamento da indenização rescisória, enquanto o empregado deverá receber 100% da indenização, que passa a ser responsabilidade do ente responsável pelo ato. Neste sentido: TST-14900.59.2001.5.15.0050, 3ª Turma, publicado em 28/08/2009.”

                            

A nosso ver, todavia, a discussão está mal posta em muitos desses ensaios doutrinários. Vejamos brevemente o porquê.

Em primeiro lugar, o fato de o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo n. 6/2020 ter sido “equiparado” à hipótese de força maior, nos termos do art. 501 da CLT (ut art. 1º, único, da MP 927/2020), não significa necessariamente que a indenização rescisória – a saber, aquela do art. 18 da Lei 8.036/1990 (a que corresponde a hipótese do art. 502, II), correspondente a 40% sobre os depósitos do FGTS devidos durante o lapso contratual, ou então aquela do art. 479 da CLT (para contratos por prazo determinado) – será reduzida à metade.  Para que o empregador tenha direito a tal redução, deve estar presente a hipótese do art. 502, caput, da CLT, a saber, o motivo de força maior (“in casu”, a pandemia) deve determinar a extinção da empresa ou de um de seus estabelecimentos (aquele em que trabalhe o empregado cujo contrato foi rescindido). O emprego do verbo “determinar”, no caput do art. 501 consolidado, desafia aqui interpretação estrita: deve se estabelecer uma relação de necessidade entre a pandemia e o fechamento do estabelecimento ou a extinção da empresa (assim, e.g., se se demonstrar que a queda abrupta, persistente e abrangente da demanda tornou a empresa ou o estabelecimento inviável economicamente, obrigando-a inclusive à recuperação judicial ou à autofalência, ut arts. 105 a 107 da Lei n. 11.101/2005). Afinal, trata-se de uma hipótese legal que restringe um direito social fundamental do trabalhador (art. 7º, I, da CRFB, c.c. art. 10, I, do ADCT); e, bem sabemos desde os clássicos, “odiosa restringenda, favorabilia amplianda” (“restrinja-se o odioso, amplie-se o favorável”).

Ao fim e ao cabo, será o juiz do Trabalho a dizer, concretamente, se naquele específico caso litigioso deu-se ou não a hipótese do art. 502, II ou III, da CLT, ainda que não haja dúvidas quanto à configuração da força maior, mercê do art. 501. De resto, vale lembrar que, em todo caso, (a)  “[a] imprevidência do empregador exclui a razão de força maior” (art. 501, §1º), e, mais importante, (b) “[a] ocorrência do motivo de força maior que não afetar substancialmente, nem for suscetível de afetar, em tais condições, a situação econômica e financeira da empresa não se aplicam as restrições desta Lei referentes ao disposto neste Capítulo”.  

Em segundo lugar, quanto ao “factum principis” (CLT, art. 486), parece-nos equivocado afirmar que não se configura, em hipótese alguma, porque o ato de autoridade que determina o fechamento dos estabelecimentos não é discricionário, mas “vinculado” a uma hipótese de força maior. Esse argumento não impressiona, a uma, porque os conceitos de força maior e de fato do príncipe não se excluem reciprocamente, como visto há pouco (ao contrário, o fato do príncipe pode mesmo ser entendido como uma espécie do gênero “força maior”;[63] ou, mais adequadamente, do gênero “caso fortuito”); a duas, porque o art. 486 da CLT não exige, em parte alguma, o caráter “discricionário” do ato, bastando que provenha de autoridade municipal, estadual ou federal; e, a três, porque os atos administrativos e legislativos que têm determinado o fechamento de estabelecimentos são decerto discricionários, na medida em que há irrecusável apreciação subjetiva das circunstâncias concretas da pandemia no âmbito da unidade federativa, sob o pálio da oportunidade e da conveniência; afinal, “discricionário” não é propriamente o ato, mas “a apreciação a ser feita pela autoridade quanto aos aspectos tais ou quais”.[64] Não por outra razão, aliás, há casos de municípios contíguos, sujeitos às mesmas condições de risco sanitário, que adotaram políticas diametralmente opostas quanto à suspensão do comércio em geral. Poder-se-ia falar em ato administrativo vinculado se, p. ex., os prefeitos e governadores baixassem decretos para simplesmente fazer cumprir um decreto presidencial de estado de sítio (CF, arts. 21, V, 49, IV, 137, I, e 139, III e IV). Não foi o caso.

Daí porque, tecnicamente, atos administrativos municipais ou estaduais que determinam o fechamento de estabelecimentos podem, em tese, configurar conceitualmente o “factum principis”. Mas isto tampouco significa que a pessoa jurídica de direito público de que promana o ato deva necessariamente responsabilizar-se pela totalidade dos valores rescisórios dos empregados demitidos (v., e.g., TST, RR 14900.59.2001.5.15.0050, 3ª Turma, publ. 28.8.2009). A questão, mais uma vez, diz com a relação de necessidade entre o ato do príncipe e as rescisões contratuais, até mesmo porque, sendo espécie do gênero “força maior/caso fortuito”, o regramento da hipótese não pode se distanciar do próprio art. 502 da CLT. Assim, a responsabilidade da pessoa jurídica de direito público pressupõe, em todo caso, a impossibilidade de continuação da atividade (e, implícita a ela, a impossibilidade de preservação dos vínculos empregatícios). Se o empregador puder fazer frente às dificuldades econômicas oriundas da paralisação temporária do trabalho com as medidas trabalhistas complementares da Medida Provisória n. 936/2020,[65] por exemplo, deverá valer-se delas, antes de cogitar demitir. Se, ao revés, por capricho ou decisão gerencial – e não por necessidade –, preferir demitir, não poderá seguramente evocar a norma do art. 486, caput, in fine, da CLT, para se exonerar dos pagamentos rescisórios pertinentes.

Se, porém, o juiz do Trabalho entender plausível o “factum principis” como tese de defesa, restar-lhe-á providenciar a intimação do representante legal da pessoa jurídica de direito público, nos termos do art. 486, §1º, da CLT, para que, no prazo de trinta dias, alegue o que entender devido. Sob o novo Código de Processo Civil (2015), a hipótese não é de “chamamento à autoria”, mas de denunciação da lide (CPC, art. 125, II). E alegando o Estado, em juízo, o que de direito, entendemos que o processo judicial segue na própria Justiça do Trabalho – sem “remessa ao Juiz Privativo da Fazenda” (CLT, art. 486, §3º) –, ante os lindes de competência material instaurados pelo art. 114, I, da Constituição de 1988, na redação da EC n. 45/2004.  Noutras palavras, o parágrafo 3º do art. 486 consolidado não foi recepcionado pela nova ordem constitucional.

 

Considerações finais

Por tudo o que se viu, é certo que o contágio pelo SARS-Cov-2 e o consequente acometimento pela COVID-19 configuram, no atual contexto de transmissão comunitária e de circulação irrestrita do vírus, um novo risco biológico e social, que interfere sistematicamente no equilíbrio do meio ambiente humano, tanto em sua dimensão natural como em sua dimensão artificial (e, portanto, também no meio ambiente do trabalho). Essa nova realidade demanda dos empregadores, gestores que são de seus próprios espaços produtivos, a implementação de todas as medidas antecipatórias destinadas a neutralizar ou minimizar os impactos do novo coronavírus. Eis o seu dever de indenidade labor-ambiental, inexo aos contratos individuais de trabalho.

Poutro lado, internalizado o SARS-Cov-2 no meio ambiente de trabalho, transformando o estabelecimento em uma caixa de ressonância infectológica, configura-se um estado de degradação labor-ambiental, originado pelo elemento humano (= base antrópica), que a legislação define como poluição (Lei 6.938/1981, art. 3º). Sob tais circunstâncias, o empregador passa a responder civilmente pelos danos experimentados por seus trabalhadores, caso desenvolvam a COVID 19, independentemente da existência ou da prova de culpa “lato sensu” (= responsabilidade civil objetiva, ut art. 14, §1º, da Lei 6.938/1981); e, havendo dolo ou culpa, poderá responder pessoalmente até mesmo por ilícitos penais. Na esfera administrativa, ademais, abrem-se ensanchas para a interdição do estabelecimento (CLT, art. 161); e, na esfera coletiva, para a chamada greve ambiental (Convenção OIT n. 155, arts. 13 e 19, “f”).

Para evitar tais consequências, empregadores em geral devem lançar mão de medidas de planejamento e de ação tão excepcionais e ingentes quanto a própria pandemia, transcendendo a lógica do custo-benefício (monetização) para colimar sobretudo o resguardo, na maior medida possível, da vida, da saúde e da integridade psicofísica dos seus trabalhadores.[66] 

Resta encerrar com John F. Kennedy, que em certa ocasião atribuiu a Dante Alighieri – equivocadamente – a afirmação de que, na arquitetura do inferno, “os lugares mais quentes são reservados àqueles que escolheram a neutralidade em tempo de crise”. Não há, n’“A Divina Comédia”, uma passagem com essas exatas características; há, sim, referência ao vestíbulo onde ficariam os que, no episódio da rebelião de Lúcifer, não se rebelaram, nem foram fieis a Deus (“non furon ribelli né fur fedeli”). De todo modo, a frase passou à posteridade e merece a nossa reflexão.

Ante a laicidade do Estado, cidadãos devem ser sobretudo fieis à Constituição; e, a partir dela, compreender as leis e organizar deontologicamente a realidade. As famílias do mundo choram, neste momento, mais de trezentos e sete mil mortos. Em alguns países – como o Brasil –, a pandemia sequer chegou em seu “pico”. Outras milhares de mortes virão. Neste momento, não cabem atalhos de neutralidade. A vontade primígena das constituições democráticas é a promoção da dignidade humana; e, portanto, a preservação da vida. Tempos de crise não são tempos para o arrefecimento de direitos fundamentais; antes, são tempos para a sua redobrada afirmação.[67] Juristas e tribunais devem compreender essa fatídica verdade, porque a utilidade última do Direito é mesmo a perpetuação da vida e do nosso modo de ser. E a alternativa aos resistentes será, o mais das vezes, o recolhimento prematuro aos vestíbulos da obsolescência.

 

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[1] Guilherme Guimarães Feliciano - Professor Associado II do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Juiz Titular da 1ª Vara do Trabalho de Taubaté – SP. Livre-Docente em Direito do Trabalho e Doutor em Direito Penal pela FDUSP. Doutor em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito de Lisboa.

[2] Paulo Roberto Lemgruber Ebert - Advogado. Professor universitário. Doutor em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Universidade de São Paulo (USP). Especialista em Direito Constitucional pela Universidade de Brasília (UnB). Especialista em Direito e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB).

[3] Identificaram-se, até este momento, sete variedades de coronavírus humanos (HCoVs), entre eles o SARS-COV (causador da SARS, ou Síndrome Respiratória Aguda Grave), o MERS-COV (causador da MERS, ou Síndrome Respiratória do Oriente Médio) e o SARS-CoV-2 (vírus causador da COVID-19). Cfr. “Folha informativa - COVID 19”, 14.5.2020. Disponível em https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6101:covid19&Itemid=875. Acesso em: 14.5.2020.

[4] AZEVÊDO, Roberto. GHEBREYESUS, Tedros Adhanom. Joint statement. 20.4.2020. Disponível em: https://www.who.int/news-room/detail/20-04-2020-joint-statement-by-wto-director-general-roberto-azevêdo-and-who-director-general-tedros-adhanom-ghebreyesus. Acesso em: 15.5.2020. Tradução livre. No original em inglês: “The purpose of the International Health Regulations is to prevent, protect against, control and provide a public health response to the international spread of disease in ways that are commensurate with public health risks, with a view to minimizing interference with international traffic and trade. WTO rules provide governments with the flexibilities they may need to address essential medical supply shortages and/or public health challenges. But any measure taken to promote public health that restricts trade should be “targeted, proportionate, transparent and temporary”, consistent with recent calls from world leaders.  Governments need to avoid measures that can disrupt supply chains and negatively impact the poorest and most vulnerable, notably in developing and least developed countries that are typically reliant on imports of medicines and medical equipment”. A declaração conjunta foi publicada após o reconhecimento do estado de pandemia global. 

[5] Cfr. GREENBERG, Raymond  S.; DANIELS, Stephen R.; FLANDERS, W. Dana; ELEY, John William; BORING, III, John R. Epidemiologia Clínica. Trad. BURNIER, Jussara. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2005, pp. 18 e ss. As pandemias – de que são (ou foram) exemplos a peste negra (século XIV, dizimando cerca de 200 milhões de pessoas em 10  anos), a gripe espanhola (que matou aproximadamente 50 milhões de pessoas entre 1918 e 1920) e a própria SIDA (modalidade de “pandemia duradoura”, que já infectou 38 milhões de pessoas no mundo) – diferem conceituamente das epidemias, das endemias e dos surtos. A epidemia espalha-se dentro dos limites de um mesmo país, superando os números ordinários de contágio esperados pelas organizações nacionais de saúde. A endemia atinge determinada região com frequência (a chamada “faixa endêmica”), afetando basicamente os habitantes daquela região, não raro em condições de sazonalidade (e.g., a febre amarela em municípios da região Norte do Brasil); nos termos do art. 20, II, §1º, “d”, da Lei 8.213/1991, descaracteriza a patologia como doença do trabalho, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho(= demonstração/presunção de nexo etiológico). O surto, enfim, extrapola os números ordinários de contágio, mas alcança espaços geograficamente restritos e tende a ter curta duração, sem sazonalidades (e.g., um surto de sarampo em determinado grupo escolar).

[6] Segundo o conceito epidemiológico definido pelo próprio Ministério da Saúde, a transmissão comunitária compreende “[a] incapacidade de relacionar casos confirmados através de cadeias de transmissão para um grande número de casos ou pelo aumento de testes positivos através de amostras sentinela (testes sistemáticos de rotina de amostras respiratórias de laboratórios estabelecidos.)” Disponível em: http://maismedicos.gov.br/images/PDF/2020_03_13_Boletim-Epidemiologico-05.pdf. Acesso em 28.3.2020.

[7]Cfr., por todos, “Covid: Brasil ultrapassa 12 mil mortos e atinge marca de 881 mortes em 24 h”. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/05/12/coronavirus-covid19-casos-mortes-brasil-12-maio.htm. Acesso em 14.5.2020.

[8] Sobre o caráter sistêmico (ou, mais, gestáltico) dos fenômenos de natureza ambiental, cfr., por todos, SOARES, Guido Fernando Silva. As Responsabilidades no Direito Internacional do Meio Ambiente. Campinas: Komedi Editores, 1995, passim. E, no campo labor-ambiental, v. FELICIANO, Guilherme G. Meio Ambiente do Trabalho: aspectos gerais e propedêuticos. In: Revista do Tribunal Regional do Trabalho da Décima Quinta Região. São Paulo: LTr, 2002, , n. 20, pp.166-170; FELICIANO, Guilherme G. Saúde e segurança no trabalho: o meio ambiente do trabalho e a responsabilidade civil patronal. In: THOME, Candy Florencio; SCHWARZ, Rodrigo Garcia (org.). Direito Individual do Trabalho: Curso de revisão e atualização. São Paulo: Elsevier, 2011, pp. 287-306.

[9]  Sobre a correlação entre meio ambiente e qualidade de vida, Michel Prieur assevera que “[h]oje estamos em vias de consolidar as reflexões formuladas há muito pelos naturalistas e ecologistas, no sentido de que o homem enquanto espécie viva faz parte de um sistema complexo de relações e de interações com seu meio natural. Disso resulta que toda ação humana tem o condão de acarretar efeitos diretos e indiretos. Sendo assim, o meio ambiente é o conjunto de fatores que exercem influência sobre o meio em que vive o homem. [...] Esse termo genérico carece, no entanto, de ser aperfeiçoado e complementado por uma série de outros vocábulos usualmente empregados em sentidos frequentemente próximos, a saber, ecologia, natureza, qualidade de vida e lugar de vida.  

 [...] A expressão [qualidade de vida] tornou-se uma espécie de complemento necessário à própria definição de meio ambiente. Ela quer exprimir o desejo de se buscar os aspectos qualitativos da vida em detrimento dos aspectos quantitativos (nível de vida) e de exprimir, de modo claro, que o conceito de meio ambiente não diz respeito tão-somente à natureza, mas também ao homem no que concerne às suas relações sociais, de trabalho e de lazer” (PRIEUR. Michel. Droit de l´environnement. 5e Édition. Paris: Dalloz, 2004. pp. 1-4). No original:  “Aujourd´hui éclate au grand jour ce qui résultait depuis fort longtemps des réflexions des naturalistes et écologues, à savoir que l´homme comme espèce vivante fait partie d´un système complexe de relations et d´interrelations avec son milieu naturel. Il en résulte que toute action humaine a des effets directs ou indirects insoupçonnés. De ce fait, l´environnement est l´ensemble des facteurs qui influent sur le milieu dans lequel l´homme vit. [...]  Ce terme général mérite cependant d´être précisé et complété par une série d´autres vocables couramment utilisés dans sens souvent voisins : écologie, nature, qualité de la vie, cadre de vie. [...] La formule [qualité de la vie] est devenue une sorte de complément nécessaire à l´environnement. Elle veut exprimer la volonté d´une recherche du qualitatif après les déceptions du quantitatif (niveau de vie) et bien marquer que l´environnement concerne non seulement la nature mais aussi l´homme dans ses rapports sociaux, de travail, de loisirs.”

[10]  Segundo o conceito formulado por Norma Sueli Padilha, “[o]  meio ambiente do trabalho compreende o habitat laboral onde o ser humano trabalhador passa a maior parte de sua vida produtiva provendo o necessário para a sua sobrevivência e desenvolvimento por meio do exercício de uma atividade laborativa [e] abrange a segurança e a saúde dos trabalhadores, protegendo-o contra todas as formas de degradação e/ou poluição geradas no ambiente de trabalho. [...] Na leitura principiológica dos valores protegidos pelo art. 225 do Texto Constitucional, não resta dúvida que entre ´todos´, inclui-se o ser humano na sua qualidade de trabalhador, pois no exercício desta condição submete diariamente sua saúde e energia vitais a um ambiente que, embora artificialmente construído, deve também proporcionar-lhe sadia qualidade de vida, por meio de controle de agentes degradadores que possam afetar sua saúde em todos os seus múltiplos aspectos”  (PADILHA. Norma Sueli. Fundamentos constitucionais do direito ambiental brasileiro. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010, p. 373-375),

[11] MARANHÃO. Ney. Poluição labor-ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, p. 234. 

[12] Em relação ao conceito de Ney Maranhão, p. ex., entendemos que a “intolerabilidade” dos riscos não pode ser um elemento do conceito de poluição labor-ambiental; antes, é uma consequência da configuração do estado labor-ambiental de degradação antrópica, na medida em que poderemos ter desequilíbrio labor-ambiental, com os efeitos do art. 14, par. único, da Lei 6.938/1981 – responsabilidade civil objetiva –, mesmo nos casos em que o empregador observe rigorosamente os limites de tolerância da legislação relativa à saúde e à segurança no trabalho (CLT, decretos, NRs etc.), caso aos riscos artificialmente criados se somem, p. ex., riscos externos de origem natural (e.g., na combinação deletéria entre as substâncias liberadas ou os materiais fornecidos, por um lado, e as condições atmosféricas do local, por outro). Cite-se, como exemplo, caso julgado pelo 1º Autor deste artigo, junto à 1ª Vara do Trabalho de Taubaté/SP, em que certo vigilante havia sido atingido por uma descarga elétrica atmosférica, durante ronda noturna externa, por conta – entre outros fatores – de botas com biqueiras de aço que lhe foram fornecidas pelo empregador. Nesse exemplo, não se pode afirmar que o fornecimento das botas tenha engendrado, por parte do empresário  – o “sujeito poluidor” ao qual se imputa o resultado lesivo –, um risco “intolerável” para o empregado ou para o meio ambiente. Porque, todavia, houve a degradação das condições de segurança labor-ambiental com a combinação dos riscos internos e externos – e, logo, deu-se o estado de poluição –, é que se pode afirmar, “a posteriori” (e não “a priori”), que tais riscos combinados foram juridicamente intoleráveis. Essa objeção foi apresentada a Maranhão à altura da defesa de sua Tese de Doutorado (que originou o livro), em qualificada banca composta pela Universidade de São Paulo para esse fim.

 

[13] BRASIL: SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 664.335/SC. RELATOR: Ministro Luiz Fux. Plenário. DJ: 12.2.2015.

[14] OLIVEIRA, Sebastião Geraldo. Proteção Jurídica à Saúde do Trabalhador. 6. ed. São Paulo: LTr, 2011, p. 148.

[15] V., e.g., Lei 7.064/1982, art. 3º, II. In verbis: “A empresa responsável pelo contrato de trabalho do empregado transferido [para o exterior] assegurar-lhe-á, independentemente da observância da legislação do local da execução dos serviços: [...] II - a aplicação da legislação brasileira de proteção ao trabalho, naquilo que não for incompatível com o disposto nesta Lei, quando mais favorável do que a legislação territorial, no conjunto de normas e em relação a cada matéria”.

[16] A precaução, como se sabe, diz com a tutela jurídica de proteção antecipada que atua nos contextos de incerteza científica (veja-se o Princípio 15 da Declaração do Rio de Janeiro de 1992), enquanto a prevenção diz com essa mesma tutela em contextos ordinários, de modo a evitar a consumação de danos ambientais. A nosso ver, o conceito de precaução é, por assim dizer, uma “especialização” do conceito de prevenção. Cfr., por todos, FELICIANO, Guilherme G. Meio Ambiente do Trabalho..., pp.175-177; WERNER, Sascha. Das Vorsorgeprinzip: Grundlagen, Maßstäbe und Begrenzungen. In: Umwelt- und Planungsrecht. Heidelberg: Verlagsgruppe Hüthig Jehle Rehm, 2001, Band 21, n. 9, pp. 335-340; ROCHA. Júlio César de Sá. Direito ambiental do trabalho. Mudanças de paradigma na tutela à saúde do trabalhador. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 238. 

[17] Ambos deram origem à Súmula Vinculante n. 25, pela qu,al [é] ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito”. Tal como o art. 5º, LXVII, porém, o art. 7º, XXII, também se encontra no Título II da Constituição e encerra direito humano fundamental. No primeiro dos arestos citados (voto vencedor), lê-se o seguinte: “[...] diante do inequívoco caráter especial dos tratados internacionais que cuidam da proteção dos direitos humanos, não é difícil entender que a sua internalização no ordenamento jurídico, por meio do procedimento de ratificação previsto na CF/1988, tem o condão de paralisar a eficácia jurídica de toda e qualquer disciplina normativa infraconstitucional com ela conflitante. [...]” (RE 466.343, rel. Min. Cezar Peluso, voto do min. Gilmar Mendes, Plenário, j. 3-12-2008, DJE 104 de 5-6-2009, Tema 60).

                                                                                                                             

[18] “Art. 16 — 1. Deverá ser exigido dos empregadores que, na medida que for razoável e possível, garantam que os locais de trabalho, o maquinário, os equipamentos e as operações e processos que estiverem sob seu controle são seguros e não envolvem risco algum para a segurança e a saúde dos trabalhadores.

Art. 17 — Sempre que duas ou mais empresas desenvolverem simultaneamente atividades num mesmo local de trabalho, as mesmas terão o dever de colaborar na aplicação das medidas previstas na presente Convenção.

Art. 18 — Os empregadores deverão prever, quando for necessário, medidas para lidar com situações de urgência e com acidentes, incluindo meios adequados para a administração de primeiros socorros.”

[19] Poluidor indireto é aquele que “não executa a atividade diretamente causadora do dano”, mas contribui para a lesão, desde que se vincule por um necessário “dever de segurança”; e tal será o caso, se entendermos que o empregador não “causa” a contaminação (porque o vírus já está circulando externamente, em condições de contaminação comunitária), mas a oportuniza, já que o meio ambiente de trabalho se transforma em uma “caixa de ressonância” contaminatória. Cfr. BECHARA, Erika. A responsabilidade civil do poluidor indireto e a obrigação propter rem dos proprietários de imóveis ambientalmente degradados. In: Cadernos Jurídicos da Escola Paulista da Magistratura. São Paulo: TJSP, março-abril/2019 (ano 20), n. 48, pp. 143 e ss.  V. também BENJAMIN, Antônio Herman. Responsabilidade pelo dano ambiental. In: Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, jan.-março/2019, n. 9, passim.

[20] E “trabalho decente”, segundo a Organização Internacional do Trabalho, é todo trabalho produtivo e de qualidade, igualitariamente acessível e adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humana, apto a contribuir, qual condição fundamental, para a superação da pobreza, a redução das desigualdades sociais, a garantia da governabilidade democrática e o desenvolvimento sustentável. O conceito foi formalizado, na ordem jurídica internacional, em 1999, e depois reafirmado em 2008, na 97ª Conferência Internacional do Trabalho, com a aprovação da “Declaração da OIT sobre a justiça social para uma globalização equitativa” (Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro-lima/---ilo-brasilia/documents/genericdocument/wcms_336918.pdf. Acesso em 15.5.2020).

[21] Cfr. FELICIANO, Guilherme G.; TRINDADE, Rodrigo. COVID-19 e direitos humanos: sob as luzes de Filadélfia. Migalhas, 10.5.2020. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/326480/covid-19-e-direitos-humanos-sob-as-luzes-de-filadelfia. Acesso em: 15.5.2020.

[22]Art. 15. [...] §2º. Na hipótese de o médico coordenador de programa de controle médico e saúde ocupacional considerar que a prorrogação representa risco para a saúde do empregado, o médico indicará ao empregador a necessidade de sua realização”. A norma, com efeito, não deve ser entendida apenas na perspectiva individualista do empregado que será (ou não) submetido ao exame médico, mas também em perspectiva coletiva e epidêmica, no interesse de todos os trabalhadores que serão de algum modo expostos ao convívio com tal empregado.

[23] Nos termos de seu art. 1º, agentes públicos só poderão ser responsabilizados civil ou administrativamente, por suas ações e omissões em condutas relacionadas à pandemia da COVID-19 (seja quanto ao “enfrentamento da emergência de saúde pública”, seja ainda quanto ao “combate aos efeitos econômicos e sociais decorrentes da pandemia”), “se agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro”. Por “erro grosseiro”, ademais, a MP compreende “o erro manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia” (art. 2º), considerando-se os obstáculos e as dificuldades reais do agente público, a complexidade da matéria e das atribuições exercidas pelo agente público, a circunstância de incompletude de informações na situação de urgência ou emergência, as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação ou a omissão do agente público e, por fim, o contexto de incerteza acerca das medidas mais adequadas para enfrentamento da pandemia da COVID-19 e das suas consequências, inclusive as econômicas (art. 3º). Em síntese, portanto, a Medida Provisória 966/2020 afasta qualquer possibilidade de responsabilidade objetiva, civil ou administrativa, dos agentes públicos de quaisquer poderes ou unidades federativas da República, desde que estejam no desempenho de atos relacionados à pandemia. Em relação à responsabilidade civil, não se trata propriamente de uma novidade, já que o próprio art. 37, §6º, da CRFB caminha em sentido semelhante (a responsabilidade civil objetiva, no caso, será do Estado – ou melhor, das pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos –, não do agente público, que só responde em caso de dolo ou culpa). Nada obstante, e mesmo assim, há quem divise inconstitucionalidades na MP 966/2020 – a nosso ver, com razão –, por não tratar dos casos de improbidade administrativa e por limitar as possibilidades do direito de regresso, por parte do Estado, a casos específicos de “culpa grave” (= “erro grosseiro”, na definição do seu art. 3º). Cfr. Juristas afirmam que MP 966 é inconstitucional e pode beneficiar Bolsonaro. UOL Notícias, 14.5.2020. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/05/14/juristas-afirmam-que-mp-e-inconstitucional-e-pode-beneficiar-bolsonaro.htm. Acesso em: 15.5.2020.

[24] Sustentávamos, ao revés, que as linhas de crédito abertos pela MP 944/2020 pudessem ser ampliadas para permitir que as empresas incorporassem, a seus programas de controle médico e saúde ocupacional (PCMSO), ao menos durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo n. 6/2020 (até 31.12.2020), exames laboratoriais ou farmacêuticos de testagem para identificação da COVID-19 e/ou do novo coronavírus. Com essa medida, o Governo contribuiria efetivamente para com o achatamento das curvas de contaminação. Não é, porém, o direito posto.

[25] In verbis: “Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente”.

[26] “[...] Em último lugar considera-se como poluição o lançamento de materiais ou de energia com inobservância dos padrões ambientais estabelecidos [Lei 6.938/1981, art. 3º, III, “e”]. Essa colocação topográfica da alínea é importante: pode haver poluição ainda que se observem os padrões ambientais. A desobediência aos padrões ambientais constitui ato poluidor, mas pode ocorrer que, mesmo com a observância dos mesmos, ocorram os danos previstos nas quatro alíneas anteriores, o que, também, caracteriza a poluição com a implicação jurídica daí decorrente” (MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental brasileiro. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p.358). O autor faz tais considerações ao desenvolver o conceito de poluição, reportando-se ao art. 3º, III, “a” a “d”, da Lei 6.938/1981. E, como visto, a hipótese de responsabilidade civil objetiva da Lei 6.938/1981 também se aplica aos casos de degradação do meio ambiente do trabalho com lesões, na esteira do próprio art. 927, §1º, 1ª parte, do Código Civil, como ainda da tese de repercussão geral fixada pelo Supremo Tribunal Federal, em 12.3.2020, para o RE n. 828.040 (rel. Min. Alexandre de Moraes). In verbis:  “O artigo 927, parágrafo único, do Código Civil é compatível com artigo 7º, inciso 28 da Constituição Federal, sendo constitucional a responsabilização objetiva do empregador por danos decorrentes de acidentes de trabalho nos casos especificados em lei ou quando a atividade normalmente desenvolvida por sua natureza apresentar exposição habitual a risco especial, com potencialidade lesiva e implicar ao trabalhador ônus maior do que aos demais membros da coletividade” (g.n.). 

[27] E, com ela, outras ações com idêntico ou similar objeto, propostas pela Rede Sustentabilidade (ADI 6344), pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos (ADI 6346), pelo Partido Socialista Brasileiro (ADI 6348), pelo Partido Comunista do Brasil, pelo Partido Socialismo e Liberdade e pelo Partido dos Trabalhadores conjuntamente (ADI 6349), pelo Solidariedade (ADI 6352) e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria (ADI 6354).

[28]Art. 29. Os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal”.

[29]Art. 31. Durante o período de cento e oitenta dias, contado da data de entrada em vigor desta Medida Provisória, os Auditores Fiscais do Trabalho do Ministério da Economia atuarão de maneira orientadora, exceto quanto às seguintes irregularidades: I - falta de registro de empregado, a partir de denúncias; II - situações de grave e iminente risco, somente para as irregularidades imediatamente relacionadas à configuração da situação; III - ocorrência de acidente de trabalho fatal apurado por meio de procedimento fiscal de análise de acidente, somente para as irregularidades imediatamente relacionadas às causas do acidente; e IV - trabalho em condições análogas às de escravo ou trabalho infantil”.

[30] Conforme assinala Gustavo Zagrebelsky, “[l]os princípios (...) no imponen una acción conforme com el supuesto normativo, como ocurre con las reglas, sino una <<toma de posición>> conforme con su ethos en todas las no precisadas ni predecibles eventualidades concretas de la vida en las que se puede plantear, precisamente, una <<cuestión de principio>>. Los principios, por ello, no agotan en absoluto su eficacia como apoyo de las reglas jurídicas, sino que poseen una autónoma razón de ser frente a la realidad. […] La realidad, al ponerse en contacto con el principio, se vivifica, por así decirlo, y adquiere valor. En lugar de presentarse como materia inerte, objeto meramente pasivo de la aplicación de las reglas, caso concreto a encuadrar en el supuesto de hecho normativo previsto en la regla – como razona el positivismo jurídico - , la realidad iluminada por los principios aparece revestida de cualidades jurídicas propias. El valor se incorpora al hecho e impone la adopción de <<tomas de posición>> jurídica conformes con él (al legislador, a la jurisprudencia, a la administración, a los particulares y, en general, a los intérpretes del derecho. El <<ser>> iluminado por el principio aún no contiene en sí el <<deber ser>>, la regla, pero sí indica al menos la dirección en la que debería colocarse la regla para no contravenir el valor contenido en el principio” (ZAGREBELSKY. Gustavo. Trad. GASCÓN. Marina. El derecho dúctil. Ley, derechos, justicia. 6. ed. Madrid: Trotta, 2005, p. 118).

[31] Nas palavras de Carlos Hugo Preciado Domènech, “[n]o sólo la libertad de organización del empresario, sino que también la libertad de emprender actividades peligrosas y la libertad de especificación de la prestación laboral y el poder de dirección del empresario se ven fuertemente limitados por la normativa de prevención de riesgos laborales.

[…] La prevención de riesgos se integra de esta forma en la adopción de toda decisión empresarial (…), y a todos los niveles de decisión y gestión de la empresa (…), por lo que se integra – limitándola – en el núcleo mismo de la libertad organizativa de la empresa” (DOMÈNECH. Carlos Hugo Preciado. Teoría general de los derechos fundamentales en el contrato de trabajo. Pamplona: Aranzadi, 2018, p. 534).

[32] Cfr., por todos, CASALI, Guilherme Machado. O princípio da solidariedade e o artigo 3º da Constituição da República Federativa do Brasil. In: Revista Eletrônica Direito e Política. Itajaí: Univali, set.-dez./2006, vol. 1, n. 1, pp.236-237. Disponível em http://siaibib01.univali.br/pdf/guilherme%20%20machado%20casalli%20revista%20de%20direiro.pdf. Acesso em 16.5.2020.

[33] “1.4.1 Cabe ao empregador:  a) cumprir e fazer cumprir as disposições legais e regulamentares sobre segurança e saúde no trabalho; [...] e) determinar procedimentos que devem ser adotados em caso de acidente ou doença relacionada ao trabalho, incluindo a análise de suas causas; [...] g) implementar medidas de prevenção, ouvidos os trabalhadores, de acordo com a seguinte ordem de prioridade:  I. eliminação dos fatores de risco;  II. minimização e controle dos fatores de risco, com a adoção de medidas de proteção coletiva;  III. minimização e controle dos fatores de risco, com a adoção de medidas administrativas ou de organização do trabalho; e  IV. adoção de medidas de proteção individual.” 

[34] Veja-se, a propósito, que essas duas primeiras medidas configuram, para o Centro de  Controle e de Prevenção de Doenças dos Estados Unidos da América (Center for Disease Prevention and Control – CDC), a principal medida de combate ao novo coronavírus,, conforme se lê no respectivo portal:  “Não há, atualmente, vacina disponível para prevenir a doença ocasionada pelo Coronavirus (COVID-19). [...] A melhor maneira de prevenir tal doença é evitar a exposição ao vírus. [...] O vírus costuma se espalhar de indivíduo para indivíduo: - Entre pessoas que estão em contato próximo umas com as outras (dentro de uma distância de 6 pés - equivalente a 1,83 metros). - Por intermédio de gotículas aspiráveis produzidas quando uma pessoa infectada tosse ou espirra. Essas gotículas podem aterrissar nas bocas e nos narizes das pessoas que estiverem próximas ou possivelmente inaladas em direção aos pulmões”. No original:

“There is currently no vaccine to prevent coronavirus disease 2019 (COVID-19). […] The best way to prevent illness is to avoid being exposed to this virus. […]  The virus is thought to spread mainly from person-to-person.

Between people who are in close contact with one another (within about 6 feet). Through respiratory droplets produced when an infected person coughs or sneezes. These droplets can land in the mouths or noses of people who are nearby or possibly be inhaled into the lungs.” Disponível em: https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/prepare/prevention.html. Acesso em 24.3.2020.  

[35] De acordo com as orientações preventivas da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ)  para o combate ao novo coronavírus (relativamente à população em geral), deve-se: “- Lavar as mãos principalmente antes de comer e após tossir ou espirrar; - Se não tiver água e sabão, usar desinfetante para as mãos a base de álcool; - Evitar tocar nos olhos, nariz e boca com as mãos não lavadas; - Usar lenço descartável para higiene nasal; - Cobrir nariz e boca ao espirrar ou tossir com um lenço de papel descartável ou com a parte interna do cotovelo (nunca as mãos); - Não compartilhar objetos de uso pessoal, como talheres, pratos, copos ou garrafas; - Manter os ambientes bem ventilados; - Limpar e desinfetar objetos e superfícies tocados com frequência, como celulares; - Evitar contato com pessoas que apresentem sinais da doença;  - Evitar sair de casa;  - Evitar locais de muita aglomeração; - Pessoas doentes devem permanecer em casa e, caso a doença se agrave, procurar a unidade básica de saúde; - Grupos vulneráveis, como idosos, crianças, gestantes, pessoas com doenças crônicas ou com imunodeficiência, devem ficar mais atentos às manifestações clínicas; - Profissionais de saúde devem utilizar medidas de precaução padrão, de contato e de gotículas (máscara cirúrgica, luvas, avental não estéril e óculos de proteção)”. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/pergunta/como-se-prevenir-contra-o-coronavirus. Acesso em 27.3.2020.

[36] Vide nota n. 33, supra.

[37] Vide nota n. 33, supra.

[38]Como a COVID-19 se propaga. Quando as pessoas infectadas com COVID-19 tossem ou exalam ar, eles soltam gotículas de fluido infectado. Muitas dessas gotículas caem em superfícies próximas e em objetos – tais como escrivaninhas, mesas ou telefones. As pessoas podem adquirir a COVID-19 ao tocarem nas superfícies ou nos objetos contaminados e quando tocam, na sequência, os olhos, nariz ou a boca. Se elas estão situadAs em distância situada no raio de um metro de alguém com COVID-19 elas podem ser contaminadAs através da aspiração das gotículas exaradas com a tosse e a respiração do doente. Em outras palavras, a COVID-19 se propaga do mesmo modo que a gripe comum.” No original: “How COVID-19 spreads.  When someone who has COVID-19 coughs or exhales they release droplets of infected fluid. Most of these droplets fall on nearby surfaces and objects - such as desks, tables or telephones. People could catch COVID-19 by touching contaminated surfaces or objects – and then touching their eyes, nose or mouth. If they are standing within one meter of a person with COVID-19 they can catch it by breathing in droplets coughed out or exhaled by them. In other words, COVID-19 spreads in a similar way to flu.” Disponível em: https://www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/getting-workplace-ready-for-covid-19.pdf. Acesso em 24.3.2020.

[39] Entenda-se bem essa afirmação: ainda que não haja dispositivo de lei estabelecendo textualmente que os locais de trabalho devem conter pias com água encanada e sabão ou equivalente para que os trabalhadores façam a higiene das mãos, ou tampouco impondo a obrigação patronal de fornecer máscaras de proteção contra gotículas de saliva, casos de contaminação pelo SARS-Cov-2 no meio ambiente de trabalho – que poderão ser inclusive presumidos (assim, p. ex., ante a existência de outros empregados já contaminados no mesmo ambiente), notadamente após a oportuna suspensão da eficácia do art. 29 da MP 927/2020 nos autos da ADI 6342-MC/DF – possivelmente levarão à responsabilidade civil do empregador pelos danos morais e materiais derivados daquela contaminação. Ao reconhecê-la, o que os juízes do Trabalho estarão afirmando, nas entrelinhas de seus julgados – ou mesmo textualmente, como parece ser o caso – é que o dever geral de proteção incluía tais obrigações, conquanto não expressas na legislação específica, qual deveres acessórios do contrato individual do trabalho (à maneira de outros tantos que a doutrina e a jurisprudência já conhecem bem, para empregado e/ou empregador, conquanto tampouco constem de cláusulas contratuais ou de dispositivos legais: o dever de informação, o dever de lealdade, o dever de não concorrência etc.).

[40]Seguridad y salud en el trabajo.  ¿Qué deberían hacer los empleadores durante el brote? […]  Los empleadores tendrán la responsabilidad global de asegurarse de que se adopten todas las medidas de prevención y protección factibles para reducir al mínimo los riesgos profesionales (Convenio sobre seguridad y salud de los trabajadores, 1981 (núm. 155). Los empleadores tienen la responsabilidad de suministrar, cuando sea necesario y en la medida en que sea razonable y factible, ropas y equipos de protección apropiados sin costo alguno para el trabajador.  Los empleadores tienen la responsabilidad de proporcionar información adecuada y una formación apropiada en el ámbito de la SST; de consultar a los trabajadores sobre aspectos de SST relacionados con su trabajo; de prever medidas para hacer frente a situaciones de urgencia; y de notificar los casos de enfermedad profesional a la inspección del trabajo”  (ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO. Las normas de la OIT y el COVID-19. Ginebra: OIT, 2020. Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_norm/---normes/documents/publication/wcms_739939.pdf. Acesso em 28.3.2020).

 

[41] Segundo as diretrizes da OSHA:  “Se ainda não existir, [o empregador deve] desenvolver um plano de preparação e resposta a doenças infecciosas que possa ajudar a orientar ações de proteção contra o COVID-19. [...] Fique a par das orientações das agências de saúde federais, estaduais, locais, tribais e/ou territoriais e considere como incorporar essas recomendações e recursos nos planos específicos do local de trabalho. [...] Siga as recomendações federais e estaduais, locais, tribais e/ou territoriais (SLLT) relativas ao desenvolvimento de planos de contingência para situações que possam surgir como resultado de surtos como: Aumento da taxa de absenteísmo dos trabalhadores;

A necessidade de distanciamento social, turnos de trabalho escalonados, operações de redução de tamanho, prestação de serviços remotamente e outras medidas de redução de exposição. Opções para a realização de operações essenciais com uma força de trabalho reduzida, incluindo treinamento cruzado de trabalhadores em diferentes tarefas, a fim de continuar as operações ou prestar serviços de pico. Cadeias de suprimentos interrompidas ou atrasos nas entregas. [...]

Para a maioria dos empregadores, a proteção dos trabalhadores dependerá da ênfase em medidas básicas de prevenção de infecções. Conforme apropriado, todos os empregadores deverão implementar boas práticas de higiene e controle de infecções, incluindo: Promover a lavagem frequente e completa das mãos, inclusive o fornecimento aos trabalhadores, clientes e visitantes do local de trabalho de um local para lavar as mãos. Caso o sabão e água corrente não estejam disponíveis imediatamente, fornecer esfregões para as mãos à base de álcool que contenham pelo menos 60% de álcool. Incentivar os trabalhadores a ficarem em casa se estiverem doentes. Incentivar a etiqueta respiratória, incluindo em relação a tosses e espirros. Fornecer aos clientes e ao público tecidos e recipientes para lixo.

Os empregadores devem explorar se podem estabelecer políticas e práticas, como locais de trabalho flexíveis [...] e horários flexíveis de trabalho (por exemplo, turnos alternados), para aumentar a distância física entre funcionários e entre os funcionários e outras pessoas, se as autoridades de saúde estaduais e locais recomendarem o uso de estratégias de distanciamento social. [...]  Manter práticas regulares de limpeza, incluindo a limpeza e desinfecção de rotina de superfícies, equipamentos e outros elementos do ambiente de trabalho. [...] Espera-se que os produtos [...] sejam eficazes contra o SARS-CoV-2 com base em dados para vírus mais difíceis de matar. Siga as instruções do fabricante para usar todos os produtos de limpeza e desinfecção (por exemplo, concentração, método de aplicação e tempo de contato, EPI). [...] Os empregadores deverão desenvolver políticas e procedimentos para que os funcionários relatem quando estão doentes ou apresentem sintomas do COVID-19. Onde apropriado, os empregadores deverão desenvolver políticas e procedimentos para isolar imediatamente as pessoas que apresentam sinais e/ou siontomas do COVID-19 e treinar os trabalhadores para implementá-los. [...] Tomar medidas para limitar a disseminação das secreções respiratórias de uma pessoa que pode que pode ter COVID-19. Forneça uma máscara facial, se possível e disponível, e peça à pessoa para que a use. [...] Proteger os trabalhadores em contato próximo (ou seja, a menos de um metro e oitenta) com uma pessoa doente ou que tenha contato prolongado/repetido com essas pessoas. [...] Instalação de filtros de ar de alta eficiência. Aumento das taxas de ventilação no ambiente de trabalho.

Instalação de barreiras físicas, como proteções de plástico transparente”  (OCCUPATIONAL SAFETY AND HEALTH ADMINISTRATION. Diretrizes para a preparação dos locais de Trabalho para o COVID-19. Trad. SINAIT (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho). Brasília: SINAIT, 2020. p. 9-14. V. também Coronavirus Resources. Disponível em https://www.osha.gov/SLTC/covid-19/. Acesso em 15.5.2020.goo

[42] Sobre o dever geral de proibição de exposição de terceiros aos riscos, Karl Larenz assim o conceitua: “A la transgreción de un derecho ajeno, particularmente a la lesión corporal o de la salud de otro (mediante acto positivo) se equipara la no evitación de un daño cuando se da o existe un deber jurídico de evitar su causación (…). El daño producido ha de imputarse objectivamente al obligado, como ´consecuencia´ de su inactividad, siempre que hubiese podido evitarse si él hubiese actuado conforme a su deber. No existe un deber general a preservar a otros ante daños posibles, ya que un deber tan amplio no podría prácticamente cumplirse; sería ilimitado. (…) En cambio, sí existe un deber de evitar un riesgo allí donde alguien está obligado por la ley (p. ej., al cuidado de ciertas personas) o por medio de contrato a la protección y vigilancia de otro (como, p. ej, el profesor de natación, el enfermero, la directora de un colegio de párvulos)” ( LARENZ. Karl. Trad: BRIZ. Jaime Santos. Derecho de obligaciones. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1959, t. II, p. 591-592).

[43] Cfr., e.g., https://www.em.com.br/app/noticia/bem-viver/2020/04/07/interna_bem_viver,1136140/em-tempos-de-pandemia-do-coronavirus-tapete-pode-ser-criadouro-do-mic.shtml. Acesso em 15.5.2020.

[44] A Convenção OIT n. 155 aplica-se a todas as áreas de atividade econômica (art. 1.1); e, nos termos do seu art. 3.a, “a expressão ‘áreas de atividade econômica’ abrange todas as áreas em que existam trabalhadores empregados, inclusive a administração pública”.

[45] Vide, nesse sentido, JOSSERAND. Louis. De la responsabilité du fait des choses inanimés. Paris: Arthur Rousseau Éditeur, 1897, pp. 7-53; SALEILLES. Raymond. Les accidents de travail et la responsabilité civile. Essai d´une théorie objective de la responsabilité délictuelle. Paris : Arthur Rousseau Éditeur, 1897, pp. 75-79.

[46] Conquanto entendamos, em relação a esse último tipo penal (contravencional), haver inconstitucionalidade por violação à taxatividade penal. Cfr. FELICIANO, Guilherme Guimarães. Refundando o Direito Penal do Trabalho: Primeiras

Aproximações. In: Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo: FDUSP, jan./dez. 2009, v. 104, pp. 339-375.

[47] Cfr. TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1991, pp.171-171.

[48]Art. 161. O Delegado Regional do Trabalho, à vista do laudo técnico do serviço competente que demonstre grave e iminente risco para o trabalhador, poderá interditar estabelecimento, setor de serviço, máquina ou equipamento, ou embargar obra, indicando na decisão, tomada com a brevidade que a ocorrência exigir, as providências que deverão ser adotadas para prevenção de infortúnios de trabalho”.

[49] “60. INTERDIÇÃO DE ESTABELECIMENTO E AFINS. AÇÃO DIRETA NA JUSTIÇA DO TRABALHO. REPARTIÇÃO DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA. I – A interdição de estabelecimento, setor de serviço, máquina ou equipamento, assim como o embargo de obra (artigo 161 da CLT), podem ser requeridos na Justiça do Trabalho (artigo 114, I e VII, da CRFB), em sede principal ou cautelar, pelo Ministério Público do Trabalho, pelo sindicato profissional (artigo , III, da CRFB) ou por qualquer legitimado específico para a tutela judicial coletiva em matéria labor-ambiental (artigos , I, , e 21 da Lei 7.347/85), independentemente da instância administrativa. II – Em tais hipóteses, a medida poderá ser deferida [a] “inaudita altera parte”, em havendo laudo técnico preliminar ou prova prévia igualmente convincente; [b] após audiência de justificação prévia (artigo 12, caput, da Lei 7.347/85), caso não haja laudo técnico preliminar, mas seja verossímil a alegação, invertendo-se o ônus da prova, à luz da teoria da repartição dinâmica, para incumbir à empresa a demonstração das boas condições de segurança e do controle de riscos”. A redação original do enunciado fora proposta, à altura, pelo 1º Autor do presente artigo.

[50] Sobre o dispositivo constitucional em apreço, Ana Frazão observa que “[a] função social da empresa é um conceito que foi consolidado não apenas para impedir o exercício anti-social da atividade empresarial, mas para direcioná-lo ao atendimento das finalidades sociais, inclusive mediante a imposição de deveres à empresa. (...) A função social da empresa traz em si uma proposta de reumanização, a fim de que os indivíduos possam ser reconhecidos como valores supremos e não como meros instrumentos da atividade econômica. [...] A função social da empresa é o corolário de uma ordem econômica que, embora constituída por vários princípios, possui a finalidade comum de assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social. Daí porque diz respeito à responsabilidade da empresa não apenas perante seus concorrentes e os consumidores, mas também perante a sociedade como um todo” (LOPES. Ana Frazão de Azevedo. Empresa e Propriedade. Função Social e Abuso de Poder Econômico. São Paulo: Quartier Latin, 2006, pp. 281-183).

[51]Art. 13. Em conformidade com a prática e as condições nacionais deverá ser protegido, de conseqüências injustificadas, todo trabalhador que julgar necessário interromper uma situação de trabalho por considerar, por motivos razoáveis, que ela envolve um perigo iminente e grave para sua vida ou sua saúde.”

[52]Art. 19. Deverão ser adotadas disposições, em nível de empresa, em virtude das quais: [...] f-) o trabalhador informará imediatamente o seu superior hierárquico direto sobre qualquer situação de trabalho que, a seu ver e por motivos razoáveis, envolva um perigo iminente e grave para sua vida ou sua saúde; enquanto o empregador não tiver tomado medidas corretivas, se forem necessárias, não poderá exigir dos trabalhadores a sua volta a uma situação de trabalho onde exista, em caráter contínuo, um perigo grave ou iminente para sua vida ou sua saúde.”

[53]Art. 229. Compete à autoridade estadual, de ofício ou mediante denúncia de risco à saúde, proceder à avaliação das fontes de risco no ambiente de trabalho e determinar a adoção das devidas providências para que cessem os motivos que lhe deram causa. [...] §2º. Em condições de risco grave ou iminente no local de trabalho, será lícito ao empregado interromper suas atividades, sem prejuízo de quaisquer direitos, até a eliminação do risco.”

[54] Cfr. ARAÚJO. Fernando Silva de; YAMAMOTO. Paulo de Carvalho. Greve ambiental e direito de resistência: a autotutela dos trabalhadores em defesa da sanidade no ambiente de trabalho. In: FELICIANO. Guilherme Guimarães et alii. Direito ambiental do trabalho. Apontamentos para uma teoria geral. São Paulo: LTr, 2017, v. 3, p. 296.

[55] Cfr., e.g., https://saude.abril.com.br/medicina/coronavirus-pandemia-zoonose/. Acesso em 16.5.2020.

[56] Cfr. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro.7ª ed. São Paulo: Saraiva, 1993, vol. 7, pp. 79-80. Na força maior, ao contrário, a causa do dano é “ab initio” desconhecida (e.g., a explosão da aeronave em pleno voo)  ou provém de fato de terceiro (e.g., greves, motins, comoções políticas etc. Daí porque temos dito que na força maior predomina o elemento da inevitabilidade (vide o art. 501, caput, da CLT), enquanto que no caso fortuito predomina o elemento da imprevisibilidade.

[57] Pelo art. 501, caput, “[e]ntende-se como força maior todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente”. Já o art. 502 dispõe que, “[o]correndo motivo de força maior que determine a extinção da empresa, ou de um dos estabelecimentos em que trabalhe o empregado, é assegurada a este, quando despedido, uma indenização na forma seguinte: I - sendo estável, nos termos dos arts. 477 e 478; II - não tendo direito à estabilidade, metade da que seria devida em caso de rescisão sem justa causa; III - havendo contrato por prazo determinado, aquela a que se refere o art. 479 desta Lei, reduzida igualmente à metade.”

[58] Veja-se, nesse sentido, a medida liminar deferida pela Vara de Interesses Difusos e Coletivos da Comarca da Ilha de São Luís do Maranhão, em 30.4.2020, nos autos do Processo n. 0813507-41.2020.8.10.0001, a pedido do Ministério Público maranhense, determinando o bloqueio total (“lockdown”) de atividades naquela capital, em que 100% (cem por cento) dos leitos de unidades de terapia intensiva estavam já ocupados por pacientes portadores da COVID-19.  Cfr. Juiz ordena lockdown em São Luís, no Maranhão. Conjur, 30.4.2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-abr-30/juiz-ordena-lockdown-todo-maranhao.  Acesso em: 16.5.2020.

[59] O “lockdown” é a forma mais rigorosa de distanciamento social impositivo, envolvendo a restrição de circulação de pessoas em espaços públicos e o fechamento generalizado de todos os estabelecimentos e locais de convívio coletivo, ressalvadas as atividades essenciais.

[60]Art. 486. No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável.”

[61]Art. 1º. [...] Parágrafo único.  O disposto nesta Medida Provisória se aplica durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 2020,  e, para fins trabalhistas, constitui hipótese de força maior, nos termos do disposto no art. 501 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.

[62] Cfr., por todos, QUEVEDO, Luiz Fernando. A contenção ao coronavírus e o factum principis no direito do trabalho. Consultor Jurídico, 4.4.2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-abr-04/contencao-coronavirus-ofactum-principisno-direito-trabalho. Acesso em: 16.5.2020.

[63] Cfr., e.g., BELFORT, Fernando. Factum principis e cessação do contrato. 16.5.2020. Disponível em: http://www.oprogressonet.com/blogs/prof-doutor-fernando-belfort/factum-principis-e-cessacao-de-contrato/100436.html. Acesso em: 16.5.2020.

[64] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, pp. 947-948. Para Bandeira de Mello, o poder discricionário da autoridade pública corresponde à “margem de liberdade conferida pela lei ao administrador a fim de que este cumpra o dever de integrar com sua vontade ou juízo a norma jurídica, diante do caso concreto, segundo critérios subjetivos próprios, a fim de dar satisfação aos objetivos consagrados no sistema legal” (p.414).

[65] A saber, o pagamento do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda, a redução proporcional de jornada de trabalho e de salários e/ou a suspensão temporária do contrato de trabalho (art. 3º, I a III).

[66] Há, a propósito, importante estudo capitaneado por especialistas do Imperial College do Reino Unido, sobre as estratégias de combate à propagação do novo coronavírus diante de seu possível impacto em diversos países (dentre eles o Brasil). Cfr. WALKER. Patrick et alii.  The Global Impact of COVID-19 and Strategies for Mitigation and Suppression. Abdul Latif Jameel Institute for Disease and Emergency Analytics, Imperial College London (2020), passim.

[67] “[...] Vale ressaltar que, embora se compreenda a insistência governamental e de certos setores econômicos em acelerar os acordos individuais, superestimando supostas consequências deletérias decorrentes da liminar concedida, em especial o “engessamento” dasnegociações, o fato é que constituiria precedente perigosíssimo afastar avigência de normas constitucionais asseguradoras de direitos e garantias fundamentais, diante do momento de calamidade pública pelo qual passamos. Isso só poderia ocorrer – e mesmo assim em escala limitada esob supervisão do Congresso Nacional – durante a decretação dos Estados de Defesa ou de Sítio, escrupulosamente delimitados nos art. 136e 137 da Lei Maior. [...] Ora, a experiência tem demonstrado que justamente nos momentos de adversidade é que se deve conferir a máxima efetividade às normas constitucionais, sob pena de graves e, não raro, irrecuperáveis retrocessos. De forma tristemente recorrente, a história da humanidade tem  revelado que, precisamente nessas ocasiões, surge a tentação de suprimir – antes mesmo de quaisquer outras providências – direitos arduamente conquistados ao longo de lutas multisseculares. Primeiro,  direitos coletivos, depois sociais e, por fim, individuais. Na sequência, mergulha-se no caos! [...] A Constituição – é claro – não foi pensada para vigorar apenas em momentos de bonança. Ao contrário, o seu fiel cumprimento se faz ainda mais necessário em situações de crise, nas quais, na feliz metáfora de Jon Elster, ela serve como o mastro a que se prendeu Ulisses para que não se perdesse em meio ao canto das sereias, pois representa a derradeira barreira de proteção dos valores básicos da sociedade contra paixões ou interesses de uma maioria ocasional (Ulisses liberto: estudos sobreracionalidade, pré-compromisso e restrições. São Paulo: UNESP, 2009)” (STF, ADI 6363 MC-ED/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 13.4.2020 – g.n.).