Ferramenta inédita reúne 124 indicadores de sustentabilidade e pretende orientar políticas públicas, certificações e a transição do campo brasileiro para sistemas de baixa emissão de carbono.
Por Davi Carvalho
Pesquisadores da Embrapa, do Instituto de Economia da Unicamp e de centros parceiros no Brasil e no exterior criaram o Padrão de Agricultura Regenerativa Sustentável (PARS) — um protocolo inédito com 124 indicadores para medir sustentabilidade na agricultura.
A ferramenta avalia múltiplas dimensões: ambientais, socioeconômicas, de governança, agropecuárias, de biodiversidade e culturais. Seu objetivo é servir de guia para a transição de sistemas convencionais para práticas regenerativas.
A régua é clara. Vai de 0 a 10. De um lado, a “não conformidade”. Do outro, o nível “especialista”, quando os sistemas atingem alta regeneração, com emissão líquida zero ou sequestro positivo de carbono.
“Com metodologia construída ao longo de três décadas de pesquisas, o PARS transforma indicadores qualitativos em índices quantitativos. Isso permite orientar tanto produtores rurais quanto empresas e governos, subsidiando políticas públicas, certificações e pagamentos por serviços socioambientais”, afirma Ademar Romeiro, professor do IE-Unicamp.
O protocolo traduz em números práticas que até pouco tempo circulavam apenas em experimentos ou áreas-piloto. Entre elas, o intemperismo acelerado de rochas, que espalha pó de basalto ou silicatos para fixar carbono no solo. Ou o biochar, biocarvão capaz de reter até metade do carbono original da biomassa por mais de mil anos.
Também entram em cena sistemas agroflorestais, silvipastoris e de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), que aumentam a matéria orgânica e capturam dezenas de toneladas de carbono por hectare.
Essa transição, explica o pesquisador da Unicamp Lucas Lima, passa por substituir insumos químicos pesados por alternativas biológicas:
“A substituição de químicos por biofertilizantes e biodefensivos pode cortar em até 50% o uso de fertilizantes sintéticos e em 70% a aplicação de defensivos químicos, diminuindo as emissões de óxido nitroso, gás de efeito estufa quase 300 vezes mais potente que o CO₂”, diz Lima.
Como muitos parâmetros ambientais são caros e complexos de medir, o protocolo recorre também a proxies — indicadores indiretos e de baixo custo que funcionam como substitutos confiáveis para aferir biodiversidade ou estoques de carbono no solo.
O campo como cultura e política
O PARS vai além da técnica. Incorpora indicadores de equidade, rastreabilidade, certificações, participação comunitária e igualdade de gênero, entendendo que regeneração não é apenas carbono e nitrogênio, mas também laços sociais.
Na dimensão cultural, valoriza práticas tradicionais transmitidas entre gerações, reconhecendo que elas fortalecem a identidade local e ajudam a manter jovens no campo.
O desafio agora é fazer com que a ferramenta ultrapasse as barreiras institucionais e chegue ao dia a dia das propriedades. A expectativa é que se torne um instrumento prático para agricultores, empresas e governos — democratizando o acesso a métricas de sustentabilidade e alinhando o Brasil a exigências internacionais cada vez mais rigorosas.
A meta, resumem os autores, é transformar a agricultura regenerativa em algo mensurável e, portanto, valorizável. Que o país exporte não apenas grãos, mas também métricas — bem mais raras e disputadas em mercados globais.
Com informações da Embrapa