Por Davi Carvalho

 

Na 39ª edição do Prêmio BNDES de Economia, o Instituto de Economia da Unicamp conquistou o primeiro lugar nas categorias Doutorado e Mestrado, com duas pesquisas que abordam desafios centrais do capitalismo contemporâneo: as restrições externas à política econômica e a transformação do trabalho sob a lógica da financeirização. Os trabalhos foram desenvolvidos por Nathalie Tellez Marins e Lucas Prata Feres, ambos orientados por docentes do IE-Unicamp e ancorados em tradições críticas consolidadas no campo da economia política.

A tese de doutorado de Nathalie Tellez Marins, orientada pela Profa. Dra. Daniela Magalhães Prates e coorientada pela Profa. Dra. Rosângela Ballini, propõe uma revisão crítica do chamado trilema da política monetária, formulado com base no modelo Mundell-Fleming. Esse arcabouço teórico, amplamente difundido nos debates sobre macroeconomia em economias abertas, parte da premissa de que um país não pode simultaneamente manter taxa de câmbio fixa, livre mobilidade de capitais e autonomia monetária. Nathalie parte do diagnóstico de que essa estrutura representa um estreitamento analítico das possibilidades de política econômica, especialmente diante das assimetrias enfrentadas por economias periféricas no Sistema Monetário e Financeiro Internacional (SMFI). Intutulada "Short-run open economy macroeconomics and external constraints: going beyond the trilemma framework", a tese foi defendida em 2023.

Com base na tradição pós-keynesiana, a tese estrutura-se em três frentes. No primeiro capítulo, examina os limites do trilema no interior da literatura Novo-Keynesiana, evidenciando ambiguidades nas definições de autonomia monetária e seu afastamento da realidade de países fora do centro do sistema. Em seguida, analisa variações do trilema — como o dilema e o quadrilema — e suas implicações para o espaço de política. Por fim, constrói um referencial teórico alternativo, que incorpora as noções de restrição externa ampliada, hierarquia monetária e integração financeira assimétrica.

O modelo proposto simula os efeitos de choques externos sobre a política monetária em economias periféricas, sustentando que o espaço de atuação estatal é condicionado por duas restrições: a tradicional, vinculada ao balanço de pagamentos, e outra relacionada ao piso de juros necessário para evitar pressões de depreciação cambial e instabilidade financeira.

 

“Em economias periféricas como a brasileira, o piso de juros marca o limite a partir do qual novos cortes elevam o risco de uma depreciação cambial acentuada, com efeitos contrários aos objetivos da política monetária. Embora o Banco Central possa tecnicamente reduzir a Selic abaixo desse patamar, isso tende a acelerar a saída de capitais e pressionar a inflação importada, anulando o estímulo inicialmente desejado”, explica Nathalie Tellez Marins. “Esse limite, porém, não é fixo — pode ser ampliado com políticas cambiais, acumulação de reservas e medidas que reduzam a vulnerabilidade externa.” 

 

Na categoria Mestrado, Lucas Prata Feres venceu com a dissertação "O trabalho no tempo da financeirização", orientada pelo Prof. Dr. Hugo Miguel Oliveira Rodrigues Dias e coorientada pelo Prof. Dr. Alex Wilhans Antonio Palludeto. A pesquisa parte de um diagnóstico histórico que relaciona o esgotamento do modelo fordista-keynesiano à ascensão da racionalidade financeira, e propõe que a financeirização — entendida como o predomínio do capital fictício sobre formas tradicionais de valorização — reconfigura a dinâmica do trabalho, não apenas por meio da precarização, mas ao subsumir o trabalho à lógica dos mercados financeiros.

A dissertação é composta por três blocos. O primeiro reconstrói o processo de financeirização com foco no caso norte-americano. O segundo aprofunda esse fenômeno à luz da tradição marxista, destacando o papel das finanças nas decisões corporativas. O terceiro capítulo articula duas abordagens críticas — a Teoria do Processo de Trabalho e o Operaísmo italiano — para analisar mecanismos contemporâneos de controle, intensificação e fragmentação do tempo de trabalho.

 

“A ideia de trabalho fractalizado ajuda a compreender esse cenário: o tempo de trabalho deixa de ser contínuo e se fragmenta em pequenas parcelas distribuídas por algoritmos, como vemos em aplicativos de entrega. O vínculo se torna opaco e incerto, deslocando a relação entre jornada e salário do horizonte das garantias sociais”, afirma Lucas Prata Feres.

 

Embora com focos distintos, os dois trabalhos convergem ao problematizar os limites impostos à ação econômica dos Estados e a reorganização das relações de trabalho em um contexto de financeirização global. A tese de Nathalie reposiciona o debate sobre autonomia monetária em economias periféricas a partir da ideia de uma restrição externa múltipla. A dissertação de Lucas interpreta a financeirização como uma nova forma de comando sobre o trabalho, com efeitos diretos sobre a jornada, a disciplina e o tempo social.

O Prêmio BNDES de Economia reconhece pesquisas inéditas com relevância para o desenvolvimento brasileiro e a reflexão crítica sobre a política econômica. Os trabalhos premiados serão publicados em acesso aberto pelo próprio banco de desenvolvimento. A premiação reafirma o papel estratégico da universidade pública na produção de conhecimento comprometido com a análise dosimpasses estruturais do capitalismo e suas repercussões sobre a política e o mundo do trabalho.