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Autor: Carlos América Pacheco - Neide Patarra

 O projeto "Tendência da Urbanização e do Crescimento Populacional Brasileiro - População em Idade Escolar: 1991-2000" realizado com o apoio do Fundo Nacional de Desenvolvimento Escolar (FNDE) , do Ministério de Educação, propiciou uma desejada oportunidade de realização de um trabalho conjunto sobre a dinâmica demográfica das Grandes Regiões brasileiras, aproveitando a divulgação dos resultados do Censo Demográfico de 1991 e da Contagem Populacional de 1996, ambos levantamentos realizados pelo IBGE.

O referido projeto partiu de uma concepção ampla sobre a necessidade de análises regionais que situassem a questão da demanda escolar no contexto das transformações econômico-sociais pelas quais vêm passando a sociedade brasileira, principalmente a partir dos anos 80. Além de quantificar o montante de crianças e jovens que deverão compor os contingentes que entram e entrarão, a curto prazo, nas escolas públicas para cumprir a jornada completa de primeiro grau, buscou-se entender, também, as dimensões sociodemográficas, regionalmente diferenciadas, que viabilizam ou obstaculizam o alcance da meta pretendida, ou seja, a universalidade de atendimento escolar desse nível de ensino.

Como nascem e sobrevivem as crianças e jovens que configuram o público da demanda? Quais as condições de vida deles e de suas farmlias? Quais os níveis de mortalidade que ainda os atingem? Quantos não frequentam a escola e quantos já trabalham? Que dimensões sociais são responsáveis pelas rupturas precoces da adolescência favorecendo a reprodução do ciclo intergeneracional da pobreza? Em que medida os processos migratórios favorecem ou dificultam a trajetória escolar? As desigualdades regionais refletem-se nas desigualdades de acesso e mobilidade social nessa etapa de formação de novas gerações? Essas e outras questões análogas estiveram presentes ao longo dos doze meses que durou o trabalho que ora vem a público.

Essa concepção ampla do estudo propiciou a estratégia adotada, qual seja, o aproveitamento dos resultados censitários recém divulgados, e a realização de análises demo gráficas regionais que oferecessem, em primeira mão, o cenário que contextualiza a questão educacional no Brasil hoje.

Reunindo um expressivo número de especialistas, pôde-se inserir a análise demográfica da população em idade escolar no âmbito das transformações demográficas ocorridas nas distintas regiões brasileiras, enfatizando-se particularmente a década de 80 e os primeiros anos da década de 90.

Buscou-se, assim, analisar as tendências de crescimento populacional, os níveis e tendências de crescimento vegetativo, as transformações na estrutura etária das populações e suas implicações, o processo de urbanização e as distintas modalidades de movimentos migratórios, análises essas explicitando as características e discrepâncias intra e inter-regionais. Esse procedimento possibilitou a montagem de um cenário demográfico nacional, favorecendo o entendimento de antigas e novas questões populacionais, bem como permitindo uma base mais sólida para uma visão prospectiva, imprescindível ao planejamento de políticas sociais em geral. Os Capítulos 3 a 8, a seguir, apresentam essa análise para cada uma das Grandes Regiões, ressalvando-se que o caso do estado de São Paulo é apresentado num capítulo em separado, por constituir resultado de pesquisas que, há muitos anos, vêm sendo realizadas pela equipe responsável.

As características e tendências recentes da dinâmica populacional brasileira têm sido enfatizadas, com considerável freqüência, pelos especialistas e também amplamente divulgadas, inclusive pelos meios de comunicação de massa.' a ponto de já terem sido superados alguns "mitos" anteriormente consolidados sobre a população brasileira, especificamente o "mito" do alto crescimento populacional, o "mito" da população brasileira ser crescentemente "jovem", e finalmente, o "mito" da alta e crescente concentração populacional urbana e metropolitana.' Dificilmente se ouve falar, hoje, da "explosão demográfica", expressão tão freqüente nos anos 70 e até mesmo no início dos anos 80, tornando insustentáveis, no debate atual, os argumentos que associavam a pobreza e a miséria às visões catastrofistas e simplistas do crescimento populacional acelerado; algumas versões exacerbadas a respeito da questão ambiental, vez por outra, ainda lançam mão do argumento demográfico, mas cada vez mais amplia-se a percepção de que as mulheres de hoje têm muito menos filhos que antigamente. O tempo de transição da fecundidade já transcorrido, por outro lado, invalida associações prevalecentes, nas visões neo-malthusianas, entre declínio da fecundidade e melhoria nas condições de vida da população pobre.

Tem sido apontado com freqüência, também, que a transição demográfica, em processo nas últimas décadas, significou expressiva diminuição, inicialmente dos níveis de mortalidade e, a partir dos anos 60, dos índices de fecundidade, ocasionando, portanto, uma expressiva diminuição das taxas de crescimento populacional, caminhando rapidamente, a população brasileira, para níveis próximos aos de reposição, com previsão de estabilidade até meados do século XXI.

O processo de transição demográfica, além disso, é visto como expressão de transformações significativas e irreverssíveis em distintas esferas da vida individual e coletiva.' se o rápido processo de mudança demográfica é resultante de um emaranhado de fatores econômicos, sociais, culturais, ideológicos e psicológicos, esse processo, em relação recíproca, cria distintos contornos de vida social. Uma proporção menor de crianças e jovens, uma população adulta mais volumosa e uma proporção crescente de idosos significam, sem dúvida, expressivas alterações nos arranjos familiares, nas modalidades de inserção no mercado de trabalho, no perfil de demanda por serviços de saúde e acesso à educação, à previdência social e a outros benefícios sociais.

Assim, pouco a pouco vai se diluindo outro "mito" a respeito da população brasileira, qual seja, a de ser uma população crescentemente "jovem", abrindo-se e ampliando-se espaços de convivência de várias gerações.

Embora, pelo próprio efeito do metabolismo demográfico, os jovens ainda representem um contingente populacional majoritário, nascidos de gerações que ainda se reproduziam em níveis mais elevados, o contingente crescente de adultos mais velhos e da chamada população da "terceira idade" já se toma perceptível e crescentemente verdadeiro para distintos grupos sociais. Essa transformação, por sua vez, reforça a necessidade de se rever prioridades frente à crescente escassez de recursos públicos, e de repensar estratégias de ação de políticas sociais. A transição demográfica em marcha, significa, em síntese, a necessidade de se enfrentar a concomitância de questões populacionais típicas de países pobres, ainda não resolvidas, com a emergência de questões populacionais típicas de países desenvolvidos.

O terceiro "mito" a respeito da população brasileira configurava-se na idéia de uma concentração populacional crescente, com visões também muitas vezes catastrofistas a respeito do crescimento metropolitano e da ameaça representada pelas mega-cidades, particularmente o caso de São Paulo. As tendências prevalecentes até os anos 70, como se verá a seguir, alteraram-se bastante, acentuando a incidência de diversas modalidades de deslocamentos populacionais. Mais do que tendência a uma distribuição populacional melhor equilibrada, no entanto, ver-se-á que o vai-e-vem crescente esteve vinculado com a crise dos anos 80 e com efeitos iniciais da reestruturação produtiva, representando, assim, para a maioria dos contingentes migratórios, estratégias de sobrevivência frente à precariedade e/ou piora em suas condições de vida.

Poder-se-ia dizer que já existe, hoje, um relativo consenso quanto a quais são as questões demográficas predominantes no Brasil deste final de século: a questão do envelhecimento da população; a questão da gravidez na adolescência; a questão da saúde reprodutiva; os "bolsões" de mortalidade infantil elevada; a questão das moléstias sexualmente transmissíveis, particularmente da Aids; o recrudescimento de moléstias contagiosas; a questão do aumento da mortalidade por causas externas - homicídios e acidentes - atingindo principalmente jovens do sexo masculino, entre outras. De mais difícil equacionamento são as questões ligadas às tendências recentes dos movimentos migratórios, envolvendo diversas modalidades de deslocamentos, distintos grupos sociais e com distintas implicações para as áreas de origem e destino, antigas e emergentes, como se verá a seguir.

Se as análises dos níveis e tendências demográficas têm avançado consideravelmente, permitindo um diagnóstico crescentemente acurado e a configuração das novas questões demográficas, o mesmo não se pode dizer no que se refere à articulação da dinâmica demográfica com a dinâmica econômica. A dinâmica econômica brasileira, nas últimas décadas, coloca o parâmetro básico a partir do qual delineiam-se as condições de vida, a estrutura de empregos, o alcance e os efeitos das políticas sociais, as estratégias individuais e familiares, entre outras. Os efeitos da crise e recessão dos anos 80, os efeitos da reestruturação produtiva, o enxugamento da aparato estatal, os processos de desconcentração das atividades econômicas são algumas, entre outras dimensões, pouco exploradas em suas articulações com os processos demográficos.

Quais os limites da política de saúde no declínio da mortalidade infantil? Qual a política populacional adequada para deter o crescimento da mortalidade por causas externas? Está a gravidez na adolescência vinculada à pobreza, nível de escolarização, falta de perspectiva de mobilidade social?

Quais os efeitos intergeneracionais de condições sociais que perpetuam a pobreza? Como se dá a articulação entre escola e trabalho para os jovens de hoje? O que significam os movimentos migratórios familiares e individuais, em suas várias modalidades, para a inclusão social das novas gerações? Pretender contribuir para o entendimento e superação dessas questões significa contextualizar o cenário demográfico e social que emolduram os níveis e tendências observados nos levantamento censitários.

O enfoque regional adotado evidencia, de saída, uma situação aparentemente paradoxal: observa-se uma nítida tendência à homogeneização dos níveis de mortalidade e de fecundidade nas distinas regiões e espaços nacionais e, ao mesmo tempo, ainda são acentuadas as disparidades regionais, particularmente no que se refere à região Nordeste. Por outro lado, evidenciase, também, que a tendência à homogeneização dos níveis demográficos não significa, necessariamente, uma diminuição da desigualdade social. Mais ainda, os processos de redistribuição espacial da população, incluindo o retomo de migrantes, além de representar estratégias de sobrevivência, frente às precariedades das condições de vida nas áreas de origem e destino nos anos 80, podem significar, ainda, um reforço das desigualdades regionais.

Essas e outras questões nortearam o desenvolvimento dos trabalhos que constituem a presente publicação; no que se segue, busca-se delinear um comentário geral articulando as análises regionais num esforço comparativo, que busca sintetizar os principais resultados apresentados de maneira completa nos capítulos subseqüentes.