NOTA DO CECON N. 18
Arthur Welle, Juliane Furno, Pedro Paulo Zahluth Bastos (1)
A política de reajuste do salário mínimo é um dos principais determinantes da condição de vida material da maioria da população brasileira. Na última Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), referente a 2021, quase 70% da população auferia um salário mínimo ou menos como renda domiciliar per capita.
Além disso, o piso dos benefícios do sistema de pensões e aposentadorias do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) é o salário mínimo. Assim, 59,4% dos beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, ou quase 19 milhões de aposentados e pensionistas, recebem salário mínimo.
É por isso que a proposta feita várias vezes (e novamente há dez dias da eleição presidencial) pelo ministro Paulo Guedes de eliminar a indexação do salário mínimo pela inflação teve tanta repercussão política, em momento em que se debate o Brasil que se deseja a partir de 2023. Para subsidiar a reflexão política com evidências estatísticas, essa nota pretende apresentar dados relativos ao poder de compra do salário mínimo nos últimos vinte anos, desde 2003.
Para subsidiar a reflexão política com evidências estatísticas, essa nota pretende apresentar dados relativos à variação do salário mínimo nos últimos vinte anos, desde 2003. É importante considerar que o salário mínimo é definido pelo Governo Federal, seguindo ou não uma regra legal além da regra constitucional de repasse da inflação.(2)
De 2003 até 2006 não houve uma regra institucionalizada de valorização do salário mínimo, embora tenha havido forte aumento real no primeiro mandato de Luís Inácio Lula da Silva. Em 2003, o reajuste foi de 20,00%, frente a uma inflação acumulada de 18,54% (entre abril de 2002 e março de 2003), o que correspondeu a um aumento real de 1,46%. Em 2004, a elevação foi de 8,33% para INPC de 7,06%. Em 2005, o salário mínimo foi corrigido em 15,38%, para uma inflação de 6,61%, o que significou um aumento real de 8,23%. No primeiro mandato de Lula, portanto, o aumento real do salário mínimo chegou a 27%.(3)
No final do ano de 2004, após uma marcha das centrais sindicais à Brasília, o Governo Lula instituiu o Conselho Nacional do Salário Mínimo, objetivando a formulação de uma política de valorização do salário mínimo de forma acordada entre governo, entidades patronais e representantes dos trabalhadores. (4)
Como efeito das negociações, o Conselho Nacional do Salário Mínimo elaborou uma proposta que ficou cunhada como “política permanente de valorização do salário mínimo” que passou a vigorar em 2007. A política tinha como critérios o repasse da inflação do período entre as correções, o aumento real pela variação do PIB e a antecipação da data-base de revisão para janeiro (o que passou a ocorrer a partir de 2010).
Como resultado dessas políticas, o aumento do salário mínimo nos dois mandatos de Lula chegou a 57%.
Em 2012, a política de valorização do salário mínimo passou a ser definida na Lei nº 12.382, estipulando a correção segundo o INPC do ano anterior e a variação do PIB de dois anos precedentes. A Lei vigoraria até 2023 com possibilidade de revisão no ano de 2019. Em 2016, o salário mínimo passou a crescer de acordo com a inflação por conta da desaceleração e posterior retração do PIB verificada nos anos anteriores e assim se manteve até 2018.
Finalmente, em 2019, no governo Bolsonaro, a regra instituída em 2012 não foi renovada, o que eliminou a política de valorização do salário mínimo. O PIB deixou de ser considerado no reajuste do salário mínimo. O que é pior, o salário mínimo não somente deixou de auferir ganho real, mas nem mais está recompondo a inflação, como é determinação constitucional.
Isso ocorre porque a proposta de reajuste salarial é entregue pelo Governo Federal ao Congresso Nacional na Lei de Diretrizes Orçamentárias antes do fechamento do ano base, sendo calculada com uma estimativa da inflação. Para o ano de 2022, por exemplo, a proposta orçamentária de reajuste do salário mínimo foi feita com estimativa de 10,02% de inflação. No entanto, o ano de 2021 fechou com a inflação acima dessa projeção, em 10,16%, impondo – com isso – perda real ao salário mínimo.
É isso que explica o comportamento do salário mínimo no gráfico acima. Durante a vigência da Política de Valorização do Salário Mínimo – mesmo antes de sua efetivação em lei – o salário mínimo acumulou ganhos expressivos, correlacionado positivamente aos anos de maior crescimento do PIB. No período entre 2003 e 2018, o salário mínimo real cresceu 83%. Separando apenas as gestões do ex Presidente Lula, o salário mínimo logrou um crescimento real de 57%. Já na gestão de Jair Bolsonaro a variação é negativa em 2%.
Para facilitar o entendimento do significado das variações do salário mínimo, apresentamos em seguida gráficos que indicam o quanto variou seu poder de comprar a cesta básica e produtos básicos com leite, feijão e arroz. Para a cesta básica, calculada pelo Dieese, o aumento do poder de compra do salário mínimo é de 46% nos dois mandatos de Lula, enquanto cai 26% no governo Bolsonaro. Se tomarmos o período em a política de valorização do salário mínimo vigorou, entre 2003 e 2018, o crescimento do poder de compra do salário mínimo havia sido de 56%, antes da queda no governo Bolsonaro.
Para o litro de leite, o aumento do poder de compra do salário mínimo é de 31% nos dois mandatos de Lula, enquanto cai 17% no governo Bolsonaro. Se tomarmos o período em a política de valorização do salário mínimo vigorou, entre 2003 e 2018, o crescimento do poder de compra do salário mínimo havia sido de 32%, antes da queda no governo Bolsonaro.
Para o quilo de arroz, o aumento do poder de compra do salário mínimo é de 75% nos dois mandatos de Lula, enquanto cai 24% no governo Bolsonaro. Se tomarmos o período em a política de valorização do salário mínimo vigorou, entre 2003 e 2018, o crescimento do poder de compra do salário mínimo havia sido de 120%, antes da queda no governo Bolsonaro.
Para o quilo de feijão, o aumento do poder de compra do salário mínimo é de 79% nos dois mandatos de Lula, enquanto cai 41% no governo Bolsonaro. Se tomarmos o período em a política de valorização do salário mínimo vigorou, entre 2003 e 2018, o crescimento do poder de compra do salário mínimo havia sido de 174%, antes da queda no governo Bolsonaro.
Esses dados mostram a importância de retomar a política nacional de valorização do salário mínimo em 2023, caso se tenha por objetivo recuperar o poder de compra da maioria da população brasileira.
NOTAS
1. Arthur Welle é doutor em Ciências Econômicas pela Unicamp e pesquisador do Cecon; Juliane Furno é Doutora em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp; Pedro Paulo Zahluth Bastos é professor-associado do Instituto de Economia da Unicamp e coordenador do Cecon.
2. Trata-se do art. 201, § 4o, da Constituição e art. 41 da Lei n.o 8.213/91. O índice usado é o INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), calculado pelo IBGE para bens e serviços consumidos por famílias mais pobres. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA, também calculado pelo IBGE, não é usado porque se refere aos gastos da totalidade das famílias. É digno de nota que o salário mínimo, por seu efeito “farol” não afeta apenas aqueles trabalhadores que têm seus rendimentos diretamente indexados a eles, mas exerce uma pressão positiva em toda a estrutura salarial. Dessa forma, a média salarial do mercado de trabalho também é empurrada para cima quando o salário mínimo, valorizando o rendimento de todos os demais trabalhadores, embora com tendência de redução das desigualdades salariais.
3. Medido de dez/2002 a dez/2006, com média móvel de 12 meses.
4. FAGNANI, E. Salário mínimo e seguridade social: a vinculação necessária. CESIT Carta Social e do Trabalho, n. 1 – maio/ago. 2005
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