PUBLICAÇÃO

Antônio Carlos Diegues e José Eduardo Roselino

Este artigo procura analisar a evolução da guerra tecnológica entre China e EUA a partir de uma perspectiva que relaciona tal movimento a três dimensões: (i) a retomada do debate sobre política industrial e desenvolvimento no cenário pós crise de 2008, (ii) o reflorescimento de estratégias tecno-nacionalistas de desenvolvimento, em um cenário de reavaliação de alguns elementos que tem sustentado a dinâmica da globalização desde o último quartel do século XX, e (iii) a construção deliberada de esforços por parte dos países centrais no sentido de se empurrar a fronteira tecnológica em direção ao que se convencionou denominar de Indústria 4.0.

A hipótese é a de que a combinação destes elementos se insere em um contexto mais amplo que tem como objetivo forjar um novo paradigma tecnoeconômico e assim reconfigurar as bases sobres as quais se assentam a dinâmica da concorrência intercapitalista e interestatal. Essa reconfiguração, por sua vez, seria o elemento central para reafirmar a posição de liderança tecnológica e econômica das principais potências mundiais e ao mesmo tempo impor condicionantes ao avanço chinês nestas mesmas dimensões.

A partir deste arcabouço, são duas as contribuições pretendidas pelo trabalho. A primeira delas é um esforço de sistematização da política industrial chinesa, com ênfase no período pós publicação do Made in China 2025. Para tal, admite-se a coevolução entre as transformações nas políticas industriais e aquelas relacionadas à estratégia de desenvolvimento, bem como coexistência simultânea de diferentes estágios desta estratégia de desenvolvimento. Destaca-se que essa a coexistência combina, em diferentes regiões do país, setores, tipos de firmas e de tecnologias, políticas industriais qualitativamente distintas. Tal fato decorre de especificidades econômicas, geográficas e sociais que fazem com que o processo de desenvolvimento e catching-up chinês apresente natureza historicamente ímpar quando comparada às demais experiências dos gansos voadores. Em outras palavras, ao contrário do que caracteriza a lógica dos gansos voadores, sugerese que o avanço da estrutura produtiva chinesa em direção a áreas com maior complexidade tecnológica não implica necessariamente na redução absoluta da produção manufatureira doméstica em segmentos menos complexos e intensivos em mão de obra. Isso porque, ao invés de se internacionalizarem, tais segmentos seriam gradativamente deslocados internamente para regiões do território chinês com menores custos e menores níveis de desenvolvimento produtivo.

A segunda e principal contribuição pretendida pelo artigo diz respeito à análise das implicações da Guerra Tecnológica entre China e EUA a partir da segmentação do paradigma tecnoeconômico da Indústria 4.0 em diferentes camadas, para além do debate tradicional acerca da transição para as redes de comunicação 5G. Assim, são analisados os potenciais desdobramentos desta disputa tecnológica nas camadas de sistemas cyber físicos em serviços inteligentes e em manufatura inteligente, integração tecnológica (robotização, machine learning, impressão 3D) e infraestrutura tecnológica habilitadora (cloud computing, internet of things, sensorização e nova geração de semicondutores).

Conclui-se que as camadas nas quais as potencialidades de desenvolvimento chinesa parecem estar mais avançadas são aquelas relacionadas à serviços inteligentes, inteligência artificial e big data. Em contrapartida, é na sub camada de infraestrutura habilitadora relacionada aos semicondutores de última geração que se observa a lacuna central da estratégia chinesa expressa no Made in China 2025 e aos objetivos rascunhados para o China Standards 2035. Assim, dado o caráter altamente transversal e pervasivo destes, a superação dessa lacuna se coloca como a pedra angular para viabilizar o espraiamento das demais tecnologias a fim de se forjar um novo paradigma tecnoeconômico que reserve um espaço hierarquicamente superior ao parque produtivo e às tecnologias chinesas.

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