Copatentes revelam concentração persistente e sinais de dispersão regional na inovação brasileira.
Por Davi Carvalho
A inovação brasileira sempre carregou uma contradição: cresce em volume, mas permanece concentrada em poucos territórios. A dissertação Dinâmica geográfica das redes de cooperação tecnológica entre empresas no Brasil: perspectiva a partir da atividade de copatenteamento, de Victor Frioli Coto (IE-Unicamp), orientada por Renato de Castro Garcia e coorientada por Veneziano de Castro Araújo, explora como essas desigualdades persistem — e onde surgem sinais de mudança.
A pesquisa utilizou a atividade de copatenteamento como indicador de cooperação tecnológica. Cada patente compartilhada por duas ou mais firmas foi interpretada como evidência de colaboração. A partir de dados do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) e da Base de Dados de Propriedade Intelectual (BADEPI), foram organizados três períodos de observação — 1998-2005, 2006-2013 e 2014-2021. O objetivo foi identificar a evolução das parcerias, seus padrões espaciais e a estrutura da rede resultante.
Diversificação incipiente
Os resultados confirmam a concentração histórica da inovação no Brasil. Microrregiões do Sudeste, sobretudo São Paulo e Rio de Janeiro, concentram a maioria das copatentes. Essa centralidade se apoia em infraestrutura científica densa, diversidade produtiva e presença de grandes empresas.
Com o passar do tempo, o estudo identificou mudanças. Indicadores como a Curva de Lorenz e o Índice de Gini apontaram para uma redução da concentração relativa. Embora os polos tradicionais permaneçam dominantes, há aumento da participação de microrregiões no Nordeste e no Centro-Oeste.
As estatísticas de autocorrelação espacial — Moran’s I e LISA — reforçam esse cenário. Clusters de alta intensidade seguem em torno das metrópoles consolidadas, mas novos agrupamentos aparecem em regiões antes periféricas. Isso não representa descentralização plena, mas indica diversificação e expansão gradual da rede.
“Minha pesquisa mostra que a inovação segue concentrada no eixo Sudeste-Sul. Para reduzir desigualdades, é essencial fomentar colaborações tecnológicas nas regiões menos integradas, como Norte, Nordeste e Centro-Oeste”, explica Coto.
A dissertação empregou análise de redes sociais (SNA) para examinar a estrutura das colaborações. Cada empresa foi representada como nó e cada copatente como aresta. Esse modelo permitiu medir centralidade, densidade, modularidade e coesão.
Os resultados mostram crescimento consistente do número de atores e de conexões. A rede tornou-se mais complexa, com maior diversidade de comunidades. Alguns participantes mantêm posições centrais, mas outros passaram a ocupar relevância, indicando que novas combinações de conhecimento se consolidaram.
As visualizações em softwares como Gephi complementaram a análise. O “Circular Layout” destacou a centralidade relativa dos participantes, enquanto o “Geo Layout” projetou os vínculos sobre o território nacional. Dessa forma, foi possível observar tanto a arquitetura abstrata da rede quanto sua distribuição espacial concreta.
Implicações para a política de inovação
A pesquisa oferece cinco contribuições principais: a análise da evolução temporal das colaborações, a medição da dispersão espacial, a identificação de polos de concentração, a caracterização da rede nacional de copatentes e a avaliação da centralidade de cada região. Esses resultados fornecem subsídios para a formulação de políticas públicas mais precisas.
A concentração elevada continua a reproduzir desigualdades históricas, mas a presença de novos polos indica possibilidades de intervenção. Políticas que incentivem conexões inter-regionais, apoiem vínculos frágeis e sustentem redes emergentes podem ampliar a circulação de conhecimento.
“Um primeiro contato entre empresas tende a gerar efeitos duradouros na capacidade de inovar, criando um ciclo virtuoso que fortalece vínculos já existentes e estimula novas interações. À medida que a cooperação tecnológica amadurece, surgem incentivos para ampliar o número de parceiros e consolidar um ambiente de aprendizagem coletiva, no qual o conhecimento circula mesmo entre agentes que não cooperam diretamente, mas se conectam por meio de parceiros em comum”, pontua o autor.
Mais do que o volume de investimento, o estudo destaca a importância da qualidade das conexões. A cooperação tecnológica depende da capacidade de integrar competências distintas e gerar transbordamentos. Patentes conjuntas não esgotam o fenômeno da inovação, mas representam evidências consistentes de que esses processos estão em curso.
“O Brasil mantém um sistema de inovação fortemente centralizado, mas não estático. O mapeamento das copatentes mostra que, apesar da persistência de hierarquias, há sinais de diversificação regional. A rede cresce, se adensa e incorpora novos atores, ainda que em ritmo desigual. O desafio é transformar essas conexões emergentes em trajetórias sustentadas de cooperação”, defende.
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